A segunda vida dos edifícios “Será que possuímos recursos para reconstruir nosso entorno a cada geração?”
Com a crise do petróleo dos anos 70 começa a surgir uma nova visão das relações entre o homem e a natureza. Aos poucos foi-se formando a consciência de que os recursos que temos são limitados e que é um imperativo fazer algo para garantir um desenvolvimento sustentável do planeta. Atualmente mesmo os mais céticos em relação às preocupações ligadas ao meio ambiente começam a admitir que sua destruição descontrolada pode realmente levar a algo próximo aos cenários distópicos que tentam descrever o mundo do futuro. Isso fica evidente quando a temática do meio ambiente domina, por exemplo, as discussões do Fórum Econômico Mundial reunido em Davos em janeiro deste ano (2020). Um fórum cujo foco é a economia e negócios, portanto, normalmente alheio à questões relacionadas a preservação do meio ambiente.
Neste contexto, a construção civil tem um papel fundamental. Ela é um dos principais elementos da economia dos países. A construção é também uma indústria que usa matéria prima, elabora produtos e gera resíduos. Todo esse processo que envolve a construção deveria realizar-se de forma a minimizar seu impacto e garantir sua sustentabilidade uma vez que as edificações – produto da construção – permanecem na paisagem, no meio ambiente por muitos anos. Em geral o ciclo passa por construir – destruir – reconstruir, mas essa não parece uma lógica sustentável. Para o arquiteto Harry Weese a demolição representa um grande desperdício do enorme valor de energia acumulada nas cidades e a reutilização e reciclagem de velhas estruturas surge como uma forma de conservação de energia, além de destacar a questão econômica: “será que possuímos recursos para reconstruir nosso entorno a cada geração?”
As cidades são um produto do ingênuo humano, são portanto um artificio que se opõem drasticamente ao meio ambiente natural. Contudo natureza e artificio são, para a especie humana, indissociáveis. A cidade é o locus da experiência humana. A arquitetura é o suporte das relações entre as pessoas, das suas manifestações culturais, das suas histórias de vida. Portanto, o mesmo interesse que se emprega na proteção da natureza talvez devesse ser aplicado na conservação e salvaguarda do ambiente construído.
Atenção especial merecem aquelas obras que, com o tempo, se constituíram em referencias importantes para a memória coletiva e para a identidade de um lugar, mas não só estas. Há em nossas cidades inúmeros edifícios que embora sem um valor especialmente significativo, possuem um enorme potencial e podem ser reaproveitados e ganhar uma segunda vida. É o que faz a dupla francesa Lacaton & Vassal quando tomam estruturas desprezadas e as reciclam dotando-as de qualidade espacial, conforto e uma nova linguagem comprovando que nem sempre é necessário destruir para construir algo novo e eficiente. Essa estratégia promove uma economia de energia importante para o desenvolvimento sustentável de nossas cidades. De acordo com a Defensoria Pública do Estado do Ceará, Fortaleza tem um déficit habitacional entorno a 130 mil moradias. Contudo a cidade conta com cerca de 160 mil imóveis vagos, muitos deles na área central da cidade e poderiam, com uma estratégia adequada de reciclagem ajudar a diminuir essa demanda. Para Renzo Piano, ao invés de expandir constantemente nossas cidades deveríamos pensar talvez em implodi-las, explorando o enorme potencial presente no interior dos centros urbanos.
Como Citar essa Matéria
PINTO, Jober. A segunda vida dos edifícios . Projeto Batente, Fortaleza - CE, 2 de março de 2020. Arquitetura e Urbanismo. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/a-segunda-vida-dos-edificios/>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]