Arquitetura da Solidão
Já notou no quanto nossa arquitetura urbana engole e oprime? E como acaba nos diluindo nesse tipo de argamassa de extermínio social?

São nos tempos de crises que muitas pessoas impulsionam suas reflexões, começam a avaliar e a questionar alguns assuntos que antes tinham um contexto direto e que por vários fatores, começa a oscilar. São nesses momentos que as certezas são postas em xeque. O pensamento de criar esta matéria surgiu quando busquei um dia no Google por curiosidade a palavra “apartamento” e quando vi a sua origem que é do termo em latim, particípio passado do verbo “appartere”. De “ad-” + “partem”, “aproximar-se da parte” e logo pensei: quem se aproxima de uma parte se afasta de um todo. 

Em um dicionário de português do século 18 é possível encontrar como sinônimo de “apartamento” a palavra “solidão”. Isso porque os “apartamentos” também podiam ser os aposentos particulares de uma pessoa dentro de uma casa compartilhada.

E diante de tanta inquietação causada por este assunto, desencadearam-se vários outros pensamentos. 

De como atualmente, andamos pelas ruas todos os dias e vemos centenas de pessoas indo para lá e para cá, a pé, de carro, bicicleta, ônibus e moto. Isso sem contar da nossa interação social que fazemos por meio de celulares e computadores. E diante de tanta gente, como podemos ainda assim nos sentirmos sozinhos? 

E arquitetura e o urbanismo, o que tem a ver com isso? Como podem ajudar nisso? Existem vários estudos que abordam a importância do design urbano para a saúde mental, e isso vai muito além de uma fachada diferente, complexa ou uma área verde. 

Segundo uma notícia do G1 de 2017, o Brasil é recordista mundial em prevalência de transtornos de ansiedade, já que crescer e viver em uma cidade pode aumentar sim as chances de alguém desenvolver ansiedade, depressão e esquizofrenia. Os pesquisadores costumam chamar essa condição de “estresse social” que é a ausência de laços sociais entre as pessoas que vivem na mesma cidade e/ou bairro.

A verdade é que nossas cidades vêm sendo projetadas a partir de uma lógica de controle e padronização tirânica e opressiva. Todas essas formas urbanas e arquitetônicas existem simplesmente para obedecer às tendências e nada mais pode atrapalhar esse fluxo de consumo. 

Há diversos exemplos de como a arquitetura pode impedir esses laços sociais e uma conexão entre as pessoas. Um desses exemplos é de como o Estado vem fazendo com projetos de habitação social, realocando famílias para locais totalmente isolados e dotados de espaços públicos mal pensados e muitas vezes até inexistentes. 

Porém, também existem projetos capazes de combater a solidão nas cidades e que mostram e trazem características que encorajam as pessoas a interagir, brincar e se conectarem. Tem como exemplo o projeto da arquiteta Grace Kim, que defende que a solidão nem sempre é resultado de uma vida sozinho, e sim de como estamos interligados socialmente com as pessoas e espaços no nosso entorno. Isso acaba tendo uma influência nas casas onde vivemos.

Ela também defende que além de espaços públicos bem pensados, precisa-se desenvolver soluções na maneira de habitação e na criação de vizinhanças mais coesas. Onde as pessoas compartilhem não apenas o espaço público, mas espaços significativos para a vida cotidiana.

Com isso, foi criado o Capitol Hill Urban Cohousing, que também conhecido como CHUC, é um edifício de uso misto de 5 andares no bairro de Capitol Hill, em Seattle, cidade de Washington. Por mais que ele pareça só mais um edifício, a inovação está no seu processo de desenvolvimento.

cohousing para combater a solidão da arquitetura
Mosaico do Edifício Capitol Hill Urban Cohousing – Fonte: Kuow.org

Esse modelo de desenvolvimento é denominado Cohousing, que tem suas origens na Dinamarca, onde tem um modo colaborativo e compartilhado de determinados ambientes, incentivando as trocas, conversas e rodas de pessoas.

Em várias cidades, a vida segue em uma eterna dança de engarrafamentos, edifícios que nos engolem e uma arquitetura da solidão. Trabalhar esses espaços não fará com que elimine a solidão das cidades, mas pode fazer com que nos sintamos mais confortáveis e envolvidos socialmente.

O grande desafio de nós arquitetos e urbanistas é construir ambientes em que as pessoas consigam e queiram tratar umas às outras com gentileza, mesmo na configuração estranha em que a cidade as coloca.

Como Citar essa Matéria
COSTA, Rafaela. Arquitetura da Solidão. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 11 de setembro de 2020. Arquitetura. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/arquitetura-da-solidao>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]
Rafaela Costa
Arquiteta e Urbanista
Arquiteta e Urbanista pela UNIFOR, com atuação profissional em projetos de edificações e ambientações e recentemente na elaboração do plano de regularização fundiária. Na atuação acadêmica fez parte de grupos de pesquisas como arte urbana em favelas, e o inventário de residências históricas em Fortaleza como documento e memória. É apaixonada pela relação edifício e cidade e como eles podem e devem contribuir para uma cidade mais justa e democrática.

Rafaela Costa

Arquiteta e Urbanista pela UNIFOR, com atuação profissional em projetos de edificações e ambientações e recentemente na elaboração do plano de regularização fundiária. Na atuação acadêmica fez parte de grupos de pesquisas como arte urbana em favelas, e o inventário de residências históricas em Fortaleza como documento e memória. É apaixonada pela relação edifício e cidade e como eles podem e devem contribuir para uma cidade mais justa e democrática.

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