Arquitetura Brasileira
Um país com identidade arquitetônica miscigenada forte e com traços especiais

A intenção aqui não é alcançar todos os detalhes e falar esmiuçadamente sobre a Arquitetura Brasileira. Não. Até porque isso seria impossível para uma postagem neste site. A intenção é dar pequenos exemplos e pincelar algumas coisas relevantes para atiçar a curiosidade e, quem sabe, te incentivar a falar mais sobre o assunto.

Falar sobre Arquitetura Brasileira é falar sobre miscigenação. Somos uma nação, com pouco mais de 500 anos, colonizada pela igreja católica e por diversos países além de sofrer interferência direta da cultura trazida por negros escravizados. Europeus e diversos povos africanos trouxeram para cá seus modos, comida, e conhecimentos muitas vezes ás custas de tentar apagar os saberes de povos que já estavam por aqui. Então, hoje, quando abordamos esse tema temos que passar por todas essas referências: religião, povos originários, migração africana e colonização.

É preciso levar em conta também a tecnologia adquirida ao longo dos anos, não só no campo da construção civil, tornando o mundo cada vez mais globalizado e nos trazendo referências diversas de todos os lugares do globo.

O que é Arquitetura Brasileira?

À primeira vista pode parecer que a Arquitetura Brasileira não tem uma identidade arquitetônica forte e com traços especiais, mas é justamente o contrário. Cada um dos elementos que aportou nessas terras trouxe consigo uma enorme riqueza de detalhes que foram se misturando e ainda se transformam à medida que nos conhecemos e nos entendemos como nação, fazendo da história da Arquitetura Brasileira única em muitos aspectos e repleta de nomes mundialmente importantes.

É importante que começamos a contar essa história do início, através das construções dos povos que já habitavam o Brasil antes da colonização e ainda hoje tem muito a ensinar sobre métodos construtivos e sustentabilidade.

Arquitetura Indígena Brasileira

Exemplo de construção Yanomami. Fonte: CAU-RN

Antes das caravelas içarem ancoras em nossas terras muito já era produzido por aqui. Povos indígenas já se utilizavam de materiais e recursos do próprio ambiente para dar forma ás suas edificações totalmente adaptadas ao cotidiano de sociedades complexas e do ambiente em que estavam inseridos produzindo exemplos genuínos de Arquitetura Vernacular. Muito conhecimento se perdeu ao longo dos anos, mas cada vez mais pesquisadores contemporâneos vem tentando resgatar esses saberes a fim de reincorporá-los à Arquitetura Brasileira e mundial.

Os exemplos são muitos, mas podemos citar o sistema construtivo do povo Yanomami, que ocupam a região norte do Amazonas e constroem seus espaços em formato circular de maneira a facilitar reuniões e eventos sociais da aldeia. Os Yanomamis se utilizavam da amarração de cipós em estruturas de madeira tal qual a maior parte das aldeias brasileiras, mas também faz uso de encaixes possíveis através da madeira talhada que se demonstram mais complexos.

Além disso, herdamos também alguns dos termos indígenas hoje amplamente utilizados por profissionais e leigos de arquitetura tais como biboca, jirau e favela.

Sistema Construtivo Indígena baseado em encaixes em madeira – Fonte: CAU-RN

Arquitetura Colonial Brasileira

A Arquitetura Brasileira conhecida como Colonial é aquela executada entre o período compreendido entre 1530 (chegada dos portugueses ao Brasil) e 1830 (oficialização da nossa independência). Um período marcado pela mão de obra escrava, capitânias hereditárias e por padrões e elementos que influenciaram diretamente a arquitetura e o urbanismo do país.

Sobrados em Recife. Foto Victor Hugo Mori. Fonte: Vitruvius

As primeiras vilas foram construídas de maneira vernacular em estruturas de taipa e pau-a-pique aproveitando muito dos conhecimentos fornecidos por povos indígenas. Porém, conforme foi-se aumentando a influência portuguesa e de demais estrangeiros, começa-se a adotar tecnologias como alvenaria de pedra e tijolos de adobe proporcionando construções cada vez mais altas, duráveis e maiores.

A tipologia arquitetônica da Arquitetura Colonial Brasileira fala muito sobre as camadas sociais vigentes e suas particularidades. Enquanto famílias ricas eram donas de sobrados com quartos mais reservados para as mulheres, os escravizados e menos abastados ficavam com os andares e construções térreas na maioria das vezes construídas com materiais menos nobres.

Mas são os edifícios públicos (Casas de Câmara e Cadeia, fortificações militares e igrejas) que são o legado mais chamativo da Arquitetura Brasileira do período colonial que tentava reproduzir estilos já construídos em países europeus ao mesmo tempo que se adaptavam ao clima e as necessidades locais. Exemplo disso é a adoção de alpendres, elemento típico da nossa arquitetura vernacular, em igrejas como na capela de Montserrat e Salvador.

Alpendre na capela de Montserrat, Salvador BA. Foto Victor Hugo Mori. Fonte: Vitruvius

Arquitetura Neoclássica Brasileira

O surgimento do Neoclássico na Arquitetura Brasileira se deu devido a três fatores: o envio de arquitetos de renome pelo Marquês de Pombal no ano de 1750, a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808 e ganhou grande força em 1816 com a chegada da chamada “Missão Francesa”, que consistia em artistas europeus já aclamados em seus países de origem. Era avessa ao estilo barroco, difundido na Europa e em algumas regiões do Brasil, pois o considerava atrasado, exagerado e de mau gosto.  

A Missão Francesa influenciou diretamente o ensino e as artes por aqui, mas ficando restrita à Corte e ás camadas sociais mais ricas. Os elementos e materiais necessários para a construção de projetos idealizados pela Arquitetura Neoclássica brasileira precisavam ser exportados da Europa dificultando assim o seu acesso.

Algumas das características desse estilo eram a clara inspiração nos clássicos gregos e romanos, uso de materiais nobres como granito e mármore, escadas, cores suaves e a simplicidade das formas espaciais. Além de ser responsável de trazer para a Arquitetura Brasileira aplicações de técnicas construtivas consideradas avançadas para a época.

Podemos usar como exemplo o Palácio dos Leões localizado em São Luís do Maranhão. Com uma extensão de três mil metros quadrados, foi construído em área nobre da cidade e é a sede do Governo do Estado ainda hoje. É uma construção de dois pavimentos com a fachada ricamente ornada através balaústres e platibandas decoradas e estátuas de leões que passam a ideia de força e poder.

Palácio dos Leões localizado no centro histórico de São Luíz. Fonte: Maranhão Hoje

Ecletismo no Brasil

Outro importante expoente da Arquitetura Brasileira é o Ecletismo. O estilo surgiu no mundo durante a segunda metade do século XIX impulsionado pela Revolução Industrial que acontecia nos Estados Unidos e na Europa. As máquinas proporcionaram diversas novas possibilidades e um grande avanço na área da construção civil impactando diretamente na arquitetura através de novas viabilidades de materiais.

Não demorou muito para que chegasse ao Brasil trazendo inovações como o aço, o ferro e o vidro. Por falta de critérios conhecidos para aplicar tantas novidades, buscou-se referências antigas como o barroco e a Arquitetura Gótica. O ecletismo deixou como principal legado a mescla de diversos estilos, mas também a preocupação com o design e a Arquitetura de Interiores, a presença do metal e a busca por espaços simétricos.

O Theatro Municipal do Rio de Janeiro é um exemplo de Arquitetura Brasileira Eclética. Inaugurada em 1909 chama atenção pela fachada ornamentada e imponente.

Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Foto: Elvis Boaventura. Fonte: Archtrends

Arquitetura Moderna Brasileira

O movimento modernista surgiu no século XX, quando o mundo passava transformações tecnológicas trazidas pelas já estabelecidas indústrias e bem como sérios problemas sociais causados pelo capitalismo. Foi uma tendência artística que criticava a arte vigente e a sociedade através de pinturas, esculturas, poesias e demais expressões artísticas.

A nossa Arquitetura foi influenciada pela Semana de Arte Moderna, comandada pelos irmãos Andrade, e seu manifesto de 1922. Teve seu auge nos anos 30 trazendo consigo as ideias de Frank Lloyd Wright, Alvar Aalto e Mies van der Rohe e Le Corbusier. Foi em grande parte através desses nomes que arquitetos brasileiros se interessaram por conceitos como fachadas abertas ao público, espaço democrático, ambientes integrados, uso ostensivo do concreto armado, ampla iluminação e ventilação natural e elementos que iam na contramão dos projetos arquitetônicos tradicionais que vimos até aqui. Podemos dizer que o objetivo da Arquitetura Modernista era suprimir o tradicional simplificando formas e exaltando as características inerentes aos materiais levando a sério a máxima “menos é mais”.

Niemeyer e Lucio Costa, considerados os pais de Brasília. Fonte: Metrópole

Figura 7- Niemeyer e Lucio Costa, considerados os pais de Brasília. Fonte: Metrópole

Grandes nomes da Arquitetura Brasileira dessa época se tornaram mundialmente conhecimentos. Dentre eles, os idealizadores da construção de Brasília, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Foi através dos projetos desses dois que a nossa capital se tornou um dos maiores ícones da Arquitetura Moderna no mundo por ser uma cidade inteiramente planejada seguindo os princípios modernos. Princípios esses que podem ser claramente observados, por exemplo, na Praça dos Três Poderes. Amplitude, formas simples, espaço acessível a todos e materiais sendo utilizados em sua forma quase bruta.

Vista Panorâmica da Praça dos Três Poderes em Brasília. Fonte: Wikipedia

Outro importante nome pioneiro desse período foi o curitibano João Batista Vilanova Artigas, que participou movimento conhecido como Escola Paulista. Em 50 anos como arquiteto deixou um legado de cerca de 700 obras, dentre elas a sede da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, prédio amplamente estudado por estudantes de arquitetura de todo o país. O pátio interno é conhecido por proporcionar eventos e reuniões que podem ser assistidos de qualquer lugar das rampas de acesso do edifício.

Pátio Interno da FAU-USP projetada por Vilanova Artigas. Fonte: Wikipedia

Estamos vivendo a contemporaneidade da Arquitetura Brasileira desde os anos 80, quando alguns dos princípios modernos começaram a ser revistos. Revisão essa que não impede a arquitetura atual de tomar para si linguagens de várias tendências anteriores, inclusive o modernismo

Por estar cronologicamente próximo, se apropriar de alguns elementos e conviver com grandes da Arquitetura moderna ainda vivos, há comparações frequentes entre Arquitetura Moderna e Arquitetura Contemporânea. Por isso é importante salientar que enquanto a primeira vertente prezava pela simplicidade das ideias e formas, os projetos contemporâneos tendem a quebrar com o rigor modernista prezando pela funcionalidade e preservação ambiental muitas vezes dando asas à abstração e buscando equilíbrio entre o passado e projeções de um futuro para a Arquitetura Sustentável.

A Arquitetura Brasileira Contemporânea, assim como a arquitetura contemporânea espalhada pelo mundo, preza pela valorização de luz e ventilação natural, reciclagem e reaproveitamento de materiais que não agridam a natureza ao mesmo tempo que também valoriza a identidade individual de cada projeto. Design orgânico, conforto e preocupação com a acessibilidade financeira também são importantes.

Apesar da Neuroarquitetura ser uma disciplina ainda recente entre os estudiosos de arquitetura no Brasil, é crescente a preocupação em obedecer aos seus princípios que se guiam por estudos científicos que comprovam a força de ambientes construídos sob o cérebro e comportamento dos usuários.

Um grande nome da Arquitetura Brasileira Contemporânea é o arquiteto e designer Ruy Ohtake, filho da renomada artista Tomie Ohtake, responsável por mais de 300 obras no brasil e no mundo. Um desses projetos é o Hotel Unique, em São Paulo, que preserva características modernas ao mesmo tempo que brinca com formas e materiais.

Hotel Unique em São Paulo, projeto de Ruy Otahke. Fonte: Wikipedia

A Arquitetura é viva e está sempre se transformando e se adaptando ao momento histórico que vivemos. Com certeza fatores atuais como a pandemia de Covid-19 deixaram marcas nas nossas construções que serão percebidas e estudadas no futuro.

Referências bibliográficas

CAU/RN. “Arquitetura Indígena no Brasil”. Acessado 28 Set 2021 <https://www.caurn.gov.br/?p=10213>.

ArchDaily. “O que é arquitetura do Brasil Colônia?”. Acessado 28 Set 2021 <https://www.archdaily.com.br/br/956978/o-que-e-arquitetura-do-brasil-colonia>.

Vitruvius. “Uma nova proposta de abordagem da história da arquitetura brasileira”. Acessado 28 Set 2021 < https://vitruvius.com.br/index.php/revistas/read/arquitextos/12.141/4214>.

LAART “Arquitetura Neoclássica no Brasil: História, Características e Obras Famosas”. Acessado 28 Set 2021 < https://laart.art.br/blog/arquitetura-neoclassica-no-brasil/>.

Architrends “Arquitetura eclética: a arte de aproveitar o melhor de cada estilo”. Acessado 29 Set 2021 < https://archtrends.com/blog/arquitetura-ecletica/>

Casa Cor “Arquitetura Moderna: o que é, história e suas características”. Acessado 29 Set 2021 <https://casacor.abril.com.br/arquitetura/arquitetura-moderna/>

Metrópoles “Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Saiba quem fez o que nesta linda cidade”. Acessado 29 Set 2021 <https://www.metropoles.com/conceicao-freitas/lucio-costa-e-oscar-niemeyer-saiba-quem-fez-o-que-nesta-linda-cidade>

LAART “Arquitetura Contemporânea no Brasil: Características e Principais Arquitetos”. Acessado 29 Set 2021 < https://laart.art.br/blog/arquitetura-contemporanea-no-brasil/>

Na Obra Arquitetura “Um olhar para a Neuroarquitetura no Brasil”. Acessado 29 Set 2021 <https://naobraarquitetura.com.br/blog/um-olhar-para-a-neuroarquitetura-no-brasil-por-ana-paula-guedes/>

Wikipedia “Ruy Ohtake”. Acessado 29 Set 2021 <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ruy_Ohtake>

Jade Maranhão
Arquiteta e Urbanista
Ariana com ascendente em Câncer e cabeça na lua. Casada, feminista, sem filhos. Muito café e chocolate. Nasceu no século passado com a cabeça no século seguinte.
Facilidade para aprender, planejar e gerir projetos, desenhos manuais, softwares de edição de imagens e playlists animadas. Detalha projetos, faz maquetes eletrônicas, tem a criatividade aguçada, sabe fazer o quadradinho. Odeia goiaba.
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