Cisão da Economia Política: A centralidade do Estado capitalista na produção do espaço Em sociedades capitalistas o espaço é tratado como mercadoria
No senso comum, e mesmo no campo acadêmico, reproduz-se um discurso mistificado e mistificante das cisões entre os diferentes momentos que constituem a totalidade das relações sociais do Modo de Produção Capitalista (MPC). Inicialmente, este artigo analisa — à luz das referências bibliográficas indicadas — a aparente cisão da Economia Política capitalista. Após isso, expõe-se algumas determinações existentes entre o Estado e a produção do espaço atualmente, visando demonstrar a indissociabilidade entre esses dois fenômenos sociais no processo de acumulação de capital, trazendo, ao final, um caso concreto.
O capital — relação social de exploração e dominação com intuito primeiro e último de valorizar a si mesmo — jamais se apresenta no mundo sensível como tal. Pelo contrário, o capital anuncia um reino de liberdade e igualdade. Mas ao investigar as entranhas do MPC, percebe-se que a liberdade e igualdade estão visceralmente determinadas pelas relações de produção — a saber, pelas formas de trabalho assalariado e propriedade privada.
Há, todavia, uma “forma política” (MASCARO, 2013) produzida por coerções e consensos, a qual rege a “liberdade” das classes do trabalho para assegurar sua própria exploração num espaço-tempo determinado. Isso implica, em outros termos, uma burocracia jurídica-institucional específica, ou seja, um “Estado de Direito” para garantir a “liberdade” de uma classe vender sua força de trabalho para uma outra comprá-la e, a partir disso, acumular privadamente riqueza numa delimitação territorial definida (OSÓRIO, 2019). Dessa maneira, a cisão da Economia Política capitalista se apresenta na superfície da vida cotidiana de forma “reificada”, quer dizer, coisificada, apenas como uma mistificação — ainda que essa mistificação seja necessária para o capital continuar sua reprodução ampliada — das relações sociais intrínsecas aos dominantes e dominados (MARX, 2017).
E o espaço? Pois bem, necessitamos desses breves apontamentos ontológicos sobre o Estado capitalista — permitindo, enfim, localizar sua gênese imanente ao movimento do MPC — para que passemos a apresentar algumas de suas determinações com a produção do espaço. Na escala metropolitana, ao generalizar-se as relações capitalistas de produção, o espaço é “mobilizado” como força produtiva para a produção, circulação e realização da riqueza social excedente. Nesse sentido, os Estados capitalistas assumem uma posição decisiva para “dispersar” — com larga utilização do aparato coercitivo-policial — os trabalhadores em “lugares prescritos” (LEFEBVRE, 2019); além de coordenar os capitalistas — a partir de consensos jurídico-normativos — que competem entre si pela apropriação da riqueza socialmente produzida nos/pelos grandes centros urbanos. Essa competição é acirrada por meio dos títulos de propriedade, processo dirigido pelos Bancos Centrais e outras instituições estatais, os quais estão associados atualmente aos cibercircuitos financeiros mundializados.
Em resumo, nas sociedades do capital, o espaço é tratado como mercadoria. Entretanto, diferencia-se de qualquer outra por ser essencial às condições de reprodução da vida. Disto advém o impacto social do valor de uso versus valor de troca e o papel central do Estado capitalista na produção do urbano, seja através de projetos urbanísticos, de alianças entre setores imobiliários, fundiários e financeiros, seja no uso da violência institucional para regulamentar e validar quem pode ou não habitar determinadas regiões da cidade (ALVAREZ et al., 2015). Nesse sentido, destaca-se o caso das Comunidades do Trilho, em Fortaleza-CE, em que famílias foram removidas de suas habitações em uma região valorizada da cidade, sem o devido respeito ao que determina o Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001), para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), a qual não possuía sequer um Estudo de Impacto de Vizinhança. Há inclusive relatos de policiais que foram às comunidades pressionar pela saída da população. Consiste na flexibilização de regulamentações essenciais e na privação do Direito à Cidade de 4.000 famílias em prol da valorização da terra urbana e da especulação imobiliária.
Portanto, as ações do Estado capitalista — mesmo ao apresentar-se no mundo sensível como forma política cindida, apartada das relações de produção — , não podem ser explicadas por si mesmas, ou como expressão da natureza humana (ver MARX, 2010). Contraditoriamente, tais ações — paridas das entranhas do capital para saciar sua sede por autovalorização — assumem, cada vez mais, centralidade na produção do espaço em economias de capitalismo dependente, como o Brasil, sendo esta uma relação determinante para a manutenção e ampliação dos diferentes circuitos de acumulação de capital pelas classes dominantes nos dias atuais.
Referências Bibliográficas
CARLOS, Ana Fani Alessandri; VOLOCHKO, Danilo; ALVAREZ, Isabel Aparecida Pinto (org.). A cidade como negócio. 1. Ed. São Paulo: Contexto, 2015.
LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. 2. Ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2019.
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. 2. Ed. São Paulo: Boitempo, 2010.
__________. O capital: crítica da economia política: Livro III: o processo global de produção capitalista. 1. Ed. São Paulo: Boitempo, 2017.
MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. 1. Ed. São Paulo: Boitempo, 2013.
OSÓRIO, Jaime. O Estado no centro da mundialização: a sociedade civil e o tema do poder. 2. Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2019.
Como Citar essa Matéria
CARCARÁ. Cisão da Economia Política: A centralidade do Estado capitalista na produção do espaço. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 14 de janeiro de 2021. Urbanismo. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/cisao-da-economia-politica-a-centralidade-do-estado-capitalista-na-producao-do-espaco/>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]