Sobre Alphavilles

A grande virtude da moradia hoje é o endereço. Se o sujeito diz que mora numa casa que tem um telhado assim, umas janelas diferentes… Você olha pra ele e diz… grande coisa! Agora se ele diz: eu moro em Ipanema ou na Praça da República… aha!”

Paulo Mendes da Rocha

Sempre que acompanho as postagens publicitárias de mais uma franquia Alphaville ou de loteamento das chamadas Cidades Inteligentes fico naquela coceira para comentar sobre a infelicidade de um e a enrolação de outra respectivamente. É verdade que às vezes não me contenho, mas sabemos que as redes sociais não são bem os espaços propícios para o debate de ideias, especialmente quando estas tratam de temática tão complexa quanto a relação Habitação x (feli)Cidade.

Esses dias tenho visto a propaganda televisiva do terceiro Alphaville a ser inaugurado. A fala dos atores, como sempre, é clichê na publicidade de produtos imobiliários: “Aqui meu filho tem espaço para brincar. Quatro da tarde ele pega a bicicleta e não tem hora pra voltar”. “Acordamos com o som dos pássaros”. “É muita segurança e tranquilidade”. “Um dia a gente joga bola, noutro beach tênis ou usamos a piscina”. “É uma sensação muito boa saber que o filho está perto enquanto trabalhamos em casa”.

De forma geral a venda de felicidade – ou a promessa desta – é comum a qualquer produto mercadológico. O problema é que este tipo de propaganda contribui para o sentimento de desprezo que determinados setores da classe média (A e B principalmente) nutrem pela cidade. A publicidade pinta o Alphaville como oportunidade para resgate do “Paraíso” perdido sabe-se lá quando e por onde; provavelmente pelas viagens a Cancun ou pelos finais de semana desfrutados em resorts de luxo nalguma praia badalada do Nordeste. É claro que não somos ingênuos ao ponto de supor que toda a classe média cai nesse conto publicitário apenas pela promessa do Éden.  Há nesse investimento o desejo de ostentar um status quo de residir num condomínio fechado de alto padrão ou simplesmente o de auferir ganhos financeiros apostando na especulação da terra. Aliás, o que é o Alphaville senão o produto de uma mega especulação imobiliária?!

De qualquer forma a infelicidade urbana dos Alphavilles contribui ainda mais para aprofundar a já abissal segregação sócio espacial das metrópoles brasileiras. Em pesquisa do IBGE deste ano, Fortaleza se apresenta como a capital brasileira em nona posição de desigualdade social.

Por outro lado – inversamente ao que se propaga – os Alphavilles se revelam como decisões urbanas antiecológicas em vários aspectos. Suas implantações espraiadas situam-se longe da infraestrutura urbana e não raro ocupam imensas áreas de ativos ambientais. Embora as glebas escolhidas sejam cortadas por rodovias estaduais, toda uma infraestrutura de abastecimento elétrico, hídrico e sanitário está por ser feita ainda que provavelmente esta seja fruto de um consórcio público privado. A localização dos condomínios fechados obriga seus moradores a longos deslocamentos já que estas ocupações não são autossuficientes em oferta de serviços básicos como educação e saúde, tampouco em oportunidade produtiva-laboral. Por depender de estruturas urbanas mais consolidadas o padrão de alto consumo de seus moradores estimula o rodoviarismo e todo o corolário de problemas a ele associado.

Haverá alguma vantagem morar em Alphavilles? Evidente que sim. Um negócio imobiliário desta escala não se transforma em franquia de sucesso à toa. Os novos “ricos”, devem ter lá os seus motivos neo-suburbanos para amarem Alphaville. Já os “velhos” (ricos ou não), como diria Paulo Mendes da Rocha, sabem dar valor à virtude do endereço;

Brennand Bandeira
Arquiteto e Urbanista
Antes de tudo sou um apaixonado pelos temas da cidade e dos processos urbanos. Graduado em arquitetura e urbanismo pela UFC (1995) com mestrado em Psicologia pela mesma instituição (2012). Professor Unifor (2013 - 2017) e UNI7 desde 2015. Com áreas de atuação em projeto, design de interiores, design gráfico, habitação social, conforto ambiental e APO. Contista e articulista colaborador do jornal APraça, maior e mais longevo periódico da região centro-sul do estado, de 2001 a 2006.

Brennand Bandeira

Antes de tudo sou um apaixonado pelos temas da cidade e dos processos urbanos. Graduado em arquitetura e urbanismo pela UFC (1995) com mestrado em Psicologia pela mesma instituição (2012). Professor Unifor (2013 - 2017) e UNI7 desde 2015. Com áreas de atuação em projeto, design de interiores, design gráfico, habitação social, conforto ambiental e APO. Contista e articulista colaborador do jornal APraça, maior e mais longevo periódico da região centro-sul do estado, de 2001 a 2006.

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