O que vem depois das intervenções de transportes?
Mesmo quando as intervenções de transporte alcançam seus objetivos, é comum que elas gerem uma série de “efeitos colaterais” que podem estar vinculados a aspectos ambientais, econômicos, sociais etc. Em particular, destaca-se o impacto dessas intervenções nos preços imobiliários e, por consequência, na localização das residências dos grupos menos privilegiados. Esse tipo de discussão se torna bastante relevante, sobretudo, quando se trata de países em desenvolvimento, nos quais se verifica uma notória discrepância entre o poder aquisitivo das camadas sociais.
Em “A volta pra casa”, o cantor Rincon Sapiência elabora um manifesto dedicado à classe trabalhadora, ao afirmar que a rotina cansativa de trabalho em nada se compara ao tempo gasto dentro das conduções de transporte. Nessa perspectiva, ninguém precisa ser um especialista em planejamento urbano para imaginar o que fomenta os investimentos em acessibilidade e mobilidade. É claro que não me refiro aqui às famosas obras faraônicas ou àquelas intervenções completamente desnecessárias, concebidas unicamente para fins políticos. Meu foco está na implementação de propostas consistentes, cujos benefícios possam ser usufruídos por parte considerável da população. Esse é o caso, por exemplo, das intervenções voltadas para o transporte coletivo, como a implantação de novas linhas de metrô ou de corredores exclusivos para ônibus, que são infraestruturas capazes de facilitar o cotidiano de milhares de pessoas.
Contudo, é preciso reconhecer que os incrementos em transportes também podem gerar outros efeitos, para além da melhoria nas condições de acessibilidade. Como saldo, é possível citar: a remoção forçada de domicílios, o desrespeito à fauna e à flora locais, o aumento da poluição sonora e a alteração do padrão de uso do solo de uma região. Embora essa lista continue e, em verdade, seja bem extensa, iremos nos concentrar nesse último aspecto cuja sonoridade é bastante familiar aos arquitetos e urbanistas. Assim, discute-se sobre o papel dos investimentos em transportes no desenvolvimento e na expansão urbana, resultando em novas formas de ocupação territorial.
Aqueles que possuem um olhar atento à paisagem urbana podem ter notado que o entorno de um novo tipo de infraestrutura tende a mudar ao longo tempo. Por um lado, é possível que se verifique o esvaziamento de uma região, principalmente, quando se trata de ferrovias ou vias expressas, as quais podem atuar como barreiras físicas e visuais. Em compensação, também é possível que essas infraestruturas contribuam para a dinamização de algumas regiões, atraindo novas atividades e serviços para áreas antes pouco visadas.
O ENTORNO DE UM NOVO TIPO DE INFRAESTRUTURA TENDE A MUDAR AO LONGO DO TEMPO
Nesse contexto, evidencia-se que as vantagens (e desvantagens) que resultam dessas intervenções podem gerar oscilações nos preços imobiliários, sejam elas positivas ou negativas. Em vista disso, é possível imaginar que o perfil
socioeconômico dos moradores de uma região possa se alterar com o passar dos anos. Na prática, em casos de valorização, existem grupos sociais que não conseguem se adaptar aos novos custos de vida e, por essa razão, migram para outras áreas da cidade, geralmente, mais distantes dos principais centros urbanos.
É certo que esse tipo de situação não diz respeito apenas às obras de mobilidade e acessibilidade, sendo possível vinculá-la a outros tipos de projetos urbanos, como requalificações urbanísticas no geral. Contudo, observa-se que as instâncias governamentais têm investido cada vez mais no âmbito dos transportes nos últimos anos. E é importante que o faça, porém, defende-se que os esforços de planejamento devem apresentar um olhar sensível ao contexto social, possibilitando a permanência dos grupos menos favorecidos nas regiões beneficiadas.
Muito bom!