A procura por uma identidade arquitetônica contemporânea cearense
“Eu só queria
Que você fosse um dia
Ver as praias bonitas do meu CearáTenho certeza
Que você gostaria
Dos mares bravios
Das praias de láOnde o coqueiro
Tem palma bem verde
Balançando ao vento
Pertinho do céu
E lá nasceu a virgem do poema
A linda Iracema dos lábios de mel..”
Fagner
O compositor cearense, Fagner, quando cantou está música em 1991, buscava falar para quem quisesse ouvir o quanto ele queria que as pessoas conhecessem as praias do Ceará, provavelmente pelo fato de não se encontrar aquele tipo de beleza em nenhum outro lugar. Sendo uma possível experiência única para quem quiser visitar aquele estado. Como são ricas as características singulares de um local, por exemplo, a arquitetura, que é a história de uma cidade, de um povo e de uma cultura. Porém estes aspectos têm sofrido ataques de um efeito que muitos julgam muito positivo. Porém, não é bem assim!
A globalização tem causado uma consequência negativa as cidades e estados em desenvolvimento. As mesmas têm comparado a prosperidade econômica com a adoção da “arquitetura contemporânea”, numa tentativa de mostrar uma capacidade de gestão de inovação. Assim, aparecendo uma coleção de edifícios para atender as necessidades da população, bem como para “modernizar” a paisagem. Talvez, imitar a fórmula de países tecnologicamente avançados atrairá olhares para nós. Porém, não necessariamente de uma forma completamente positiva.
Está se criando uma uniformidade arquitetônica com projetos promovidos por “verdades arquitetônicos” ocidentais que são replicados em todo o mundo, negligenciando elementos contextuais incríveis e, consequentemente, construindo uma cidade/estado genérico com pouca faceta humana. A identidade é a qualidade de idêntico. É o reconhecimento de que o indivíduo ou algo é o próprio. É o conjunto de características particulares, que identificam uma pessoa ou algo. Seria uma tragédia se Londres, Paris e Amsterdam fossem semelhantes. Será que queremos uma cidade/estado que é, basicamente, uma imagem espelhada de outras? A arquitetura é, também, uma síntese da expressão criativa. Não é prescritiva. A mesma não define o molde, os materiais ou desenho a ser usado. Vidros esverdeados ou superfícies de aço ou cobre e outros materiais do referido movimento “vanguardista” não são a identidade da promessa da arquitetura e realização.
Temos negado a nós mesmos a nossa criatividade e nossa tarefa de enriquecer e valorizar a cultura de um lugar. Nos tornamos vítimas voluntárias da globalização, sendo coniventes com a desconstrução da identidade “única” de lugares que encantam através da sua singularidade. Ao abraçar culturas estrangeiras, muitas vezes negamos nossas próprias raízes. Portanto, conhecer e valorizar a nossa cultura são auto-afirmações do que somos.
A globalização possui grandes qualidades para o mundo, porém existe uma armadilha, a mesma busca homogeneizar, naturalmente, as culturas locais a fim de definir as nações do mundo com as doutrinas capitalistas. Este processo chama-se aculturação, que significa a infusão de uma cultura sobre outra a fim de eliminar uma. E o que na verdade é interessante é a inculturação! Podendo ser considerada um fator positivo ou negativo, pois define a incorporação de elementos de uma na outra. É dito negativo e positivo, porque o processo pode ser através de modo imposto ou partilhado.
O Brasil é formado pelo o ecletismo de várias culturas, e no Ceará não seria diferente. Cultura significa todo aquele complexo que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a lei, a moral, os costumes e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo ser humano não somente em família, como também por fazer parte de uma sociedade da qual é membro. Então, Identidade cultural é o conjunto das características de um povo, oriundas da interação dos membros da sociedade e da forma de interagir com o mundo. Identidade cultural são as tradições, a cultura, a religião, a música, a culinária, a arquitetura, o modo de vestir, de falar, entre outros, que representam os hábitos de uma nação. Esta identidade sendo de extremo valor para qualquer sociedade.
Devemos ter orgulho da nossa terra e história. Valorizá-la desenvolvendo suas características em todos os âmbitos da cultura. A nossa história mostra a mistura de etnias que habitaram e estiveram aqui durante todo o processo de desenvolvimento do estado, como portugueses, espanhóis, holandeses, franceses, africanos e índios tupis (Tabajaras e Potiguares) e Cariris.
Para começar, uma arquitetura de qualidade requer que ela funcione de acordo com as condições climáticas e características específicas do local. Fica, assim, claro que não podemos esperar soluções semelhantes de uma arquitetura vinda do sul. Nós temos o privilégio dos ventos vindos do sudeste, e para quem está no litoral, a brisa marítima de um estado que se encontra na quina do oceano atlântico. Temos que fazer “cantar alto” estas características nas soluções arquitetônicas de uma possível identidade de arquitetura contemporânea cearense.
Além do aproveitamento dos ventos para deixar os ambientes da edificação mais agradáveis, um fator importante a se levantar é que o estado do Ceará se encontra praticamente na linha do equador! O sol aqui não é brincadeira não! Além de enfatizar a ventilação cruzada dentro da edificação, é necessário proteger os ambientes de longa permanência do nosso “sol da tarde” (Como se o da manhã fosse diferente!). Evitar o posicionamento destes ambientes na região oeste da edificação é imperativo para o conforto ambiental dos usuários. Uma solução que ajuda bastante para conforto térmico é uma grande altura de piso a teto. Esta solução que é muito adotada para dar nobreza a edificação, para nós, é fundamental criar mais massa de ar entre a coberta e os usuários, assim amenizando o calor.
Outro fator que contribuirá bastante para a busca de uma identidade cearense é a valorização de nossos materiais. É de suma importância para elevar a qualidade de nossa arquitetura, usar revestimentos que não se encontram em qualquer lugar. Muitas vezes não são materiais daqui, mas que se tem uma tradição na utilização dos mesmos. E não só materiais, mas também técnicas construtivas. Muitas vezes o sistema construtivo define o tipo de construção. A alvenaria de pilão, por exemplo, é uma técnica construtiva que consiste em comprimir a terra em formas de madeira, denominada de taipais, onde o barro é compacto horizontalmente disposto em camadas de aproximadamente quinze centímetros de altura até atingir a densidade ideal, criando assim uma estrutura resistente e durável. Esta, gera paredes de 30 a 50 cm de esepssura, pois são portantes e isolantes térmicas. Ideal para nosso clima! Podemos até fazer uma releitura desta técnica com uma moderna, por exemplo, a parede de concreto, também é feita se criando uma fôrma para se ter um molde para formar a parede. Bem, são várias as formas de fazer releituras de sistemas construtivos.
Outro material interessante é o cimento queimado! Muito utilizado nas antigas casas, ajuda a criar ambientes amplos, pois não possuem emendas e pode ser feita de diversas cores e desenhos. Não podemos esquecer o querido pelo os arquitetos nordestinos, o revestimento cobogó com suas infinitas opções plásticas e cores, ajudam na ventilação e iluminação da edificação, é ideal para nossa região. A pedra ardósia de várias cores e texturas. Podendo ser usadas em área molhadas como decks, cozinhas, banheiros, lavabos, garagens e áreas de serviço. Enfim, a madeira, cerâmica, o tijolinho, o aço e etc. Todo material é interessante, o modo com será utilizado que poderá fazer ele ficar incrível!
Poderia escrever páginas e páginas sobre materiais e técnicas construtivas locais, porém a arquitetura vai além dos aspectos físicos de uma edificação, o contexto histórico, econômico, político e social determina diretamente o tipo de arquitetura que estará sendo gerada em sua época. Por exemplo, o fato das áreas de serviço, outrora bem isoladas das outras áreas da casa, agora se integrando cada vez mais as áreas socias. As moradias cada vez menores, com famílias diminutas. Quartos pequenos, sem televisão, com uma única televisão na sala, valorizando as áreas comuns da residência. Tudo isso são características que mudaram com o passar do tempo por motivos políticos, sociais ou econômico. A varanda de uma casa, onde todos deitam a rede para pegar aquele vento vindo do sudeste. O quintal que as vezes utilizado para estender a roupa ou criar um deck com churrasqueira. Está análise sociológica é fundamental para entendermos nossa gente, nossa cultura.
Olhar para fora é importante para nos referenciar, nos inspirar, porém não podemos esquecer de olharmos para dentro, para nossas tradições, costumes e cultura, pois só assim, poderemos criar uma arquitetura única, com as tecnologias de nossa época, com o respeito e a valorização das características arquitetônicas da nossa região. E talvez, só assim, o pessoal de lá, o resto do país e fora do Brasil, olhará curioso e admirado com a arquitetura produzida aqui no Ceará, diferente e única de tudo que eles viram. Não é um trabalho fácil, há muito caminho a percorrer, mas devemos começar, para, talvez um dia, podermos olhar para esta arquitetura honesta e ver nela a nossa gente, um povo forte, que padece, mas não esmorece e assim o país e o mundo ganhará uma nova escola, uma nova identidade, a arquitetura cearense.