Qual o papel da arquitetura e do urbanismo na prevenção de violência? A perspectiva do arquiteto urbanista nas ações de promoção de segurança.
Se você é estudante ou arquiteto urbanista, é muito provável que você já tenha lido ou pelo menos ouvido falar no livro Morte e Vida de Grandes Cidades da autora Jane Jacobs. Ele teve sua primeira edição publicada em 1961, quando se tornou uma das referências mais relevantes no campo da arquitetura e do urbanismo no que diz respeito à segurança dos espaços urbanos através do que a autora denominou de vitalidade urbana. Jacobs ampliou os horizontes do planejamento urbano na direção ao entendimento sobre as influências do desenho ambiental no comportamento social das pessoas e defendeu que, quanto mais pessoas circulam nas ruas e calçadas, mais seguro é o espaço delimitado por elas. Segundo a autora, “manter a segurança da cidade é tarefa principal das ruas e das calçadas”.
É evidente que a arquitetura e o urbanismo isoladamente não dariam conta de reduzir a criminalidade por completo ou de garantir a segurança das cidades por si só. O trabalho de prevenir violência e promover cultura de paz nas cidades deve ser um esforço conjunto de diferentes setores da gestão pública e da sociedade civil. Assim, o planejamento e o desenho urbano podem contribuir como instrumentos técnicos na integração de ações voltadas para a qualificação dos espaços urbanos, em prol do desenvolvimento social de territórios precários e vulneráveis à violência.
De uma maneira geral, a violência não se distribui de maneira homogênea nas cidades, ainda que ela seja uma pauta cada vez mais recorrente no cotidiano de toda a população. Os bairros com os maiores índices de homicídios costumam ter características socioespaciais similares que apontam para a existência de áreas degradadas onde um grande número de pessoas não desfruta do direito à cidade.
Esses bairros geralmente não oferecem condições adequadas de habitação e de espaços livres, muitas vezes se localizam em regiões deslocadas dos centros de concentração das atividades econômicas e sociais e vivem em situações de exclusão territorial, com deficiência no acesso às redes de transporte e aos serviços públicos. Esse padrão de desarranjo espacial produz efeitos inegáveis para a organização social das cidades, uma vez que elas passam a se estruturar em tecidos urbanos fragmentados que aprofundam as fissuras demarcadoras das diferentes classes sociais.
Peço licença, então, para parafrasear Paulo Freire: os homens são porque estão territorializados. Essa frase expressa o impacto dos modelos territoriais nos modos de vida e nos comportamentos sociais dos habitantes das cidades, e, assim, nos conduz a desconstruir padrões de julgamentos reducionistas de supostas naturezas criminosas de alguns sujeitos, para uma noção mais complexa da relação entre o espaço e a produção de delitos. Nessa mesma lógica, segundo a professora Teresa V. Heitor, “o ambiente urbano pode influenciar o comportamento delituoso de dois modos: fisicamente, proporcionando as condições espaciais onde os indivíduos atuam, e socialmente, promovendo as relações sociais a que os indivíduos respondem”.
Dessa forma, mediante uma abordagem socioespacial da incidência de violência nas cidades, é possível defender que a arquitetura e o urbanismo podem e devem ser associados aos outros setores da gestão pública em ações multidisciplinares e integradas de combate à exclusão social, com o objetivo de recuperar a vitalidade dos territórios mais vulneráveis à ocorrência de violência, através da requalificação dos seus espaços públicos, da recuperação de áreas ambientalmente degradadas, da garantia de habitação social adequada e de acesso aos serviços públicos de qualidade.
Trata-se, portanto, de reconstruir o tecido social nos bairros mais afetados pela violência, fundamentando a relação dos seus moradores com a cidade com base na sensação de apropriação e de pertencimento aos seus lugares de moradia, na construção de vínculos de confiança entre a comunidade e as ações territoriais das instituições e na promoção de uma cultura de paz comunitária.