Admirável mundo… novo?
As adaptações serão permanentes ou voltaremos as condições atuais? 

O advento de uma pandemia provocada por um novo coronavírus mergulhou o planeta numa realidade que até pouco tempo parecia inimaginável. A vida e a rotina de milhões de pessoas em todo o mundo tem sido transformada de tal forma que nem mesmo as distopias mais inventivas puderam antecipar. Essa nova realidade impôs uma serie de adaptações no dia a dia das pessoas e antecipou em décadas mudanças em curso no âmbito do trabalho, das relações sociais, da economia e das cidades. 

Ruas, praças, shopping centers, cinemas, hotéis, restaurantes… todos vazios. As cidades alteraram forçosamente seu perfil e muitos se esforçam por entender a transformação em curso e antecipar mudanças que supostamente vieram para ficar alterando definitivamente nossa relação com os lugares. No entanto, parafraseando Aldous Huxley, em seu romance de 1932, podemos nos perguntar se esse “Admirável mundo” que surgirá depois de tudo isso será realmente “novo”…

O isolamento social imposto pela pandemia obrigou a todos a permanecerem em casa e transferiu ao espaço doméstico atividades de trabalho, lazer, cuidados pessoais que antes se realizavam em outros ambientes. O teletrabalho passou a ser uma demanda real para muitas pessoas e os espaços da casa tiveram que se adaptar. De igual forma o mesmo espaço doméstico passou a servir de academia para a prática de atividade física, de espaço de lazer, de área de brincar para crianças, etc. O resultado muitas vezes não é satisfatório por não apresentar condições de conforto acústico, de iluminação e mesmo os metros quadrados minimamente confortáveis para a realização das atividades. No caso dos idosos, que muitas vezes passaram a ter que desenvolver sua vida diária sozinhos tornou-se ainda mais patente a inadequação do ambiente doméstico para sua mobilidade, segurança e conforto inclusive psicológico. 

“It can’t rain all the time” (social distancing). @pejac_art

Por outro lado, espaços de lazer como cinemas, bares, restaurantes, arenas esportivas tem seu futuro incerto. A arquitetura desses lugares, pelo menos no curto prazo, deverá passar por adaptações para poder continuar a exercer suas funções com segurança sanitária. A questão é se essas adaptações serão permanentes marcando realmente uma nova forma de habitar e usar o espaço ou se, uma vez superada a pandemia, voltaremos as condições atuais. 

O mundo parecia caminhar a passos seguros para uma economia compartilhada na qual o espaço doméstico se reduziria ao mínimo necessário e boa parte das atividades seriam transferidas a espaços de uso comum. Novos empreendimentos vinham sendo lançados seguindo essa lógica com unidades de 45m2, 37m2 ou até 10m2. Habitação mínima, pé-direito ajustado. A casa do futuro: compacta e “smart”. A publicidade defende a troca “do metro quadrado pelo metro pensado” ou questiona: “Você ja fez o cálculo de quantos metros quadrados você realmente precisa? Tem alguma coisa mais quadrada do que pensar apenas em metros quadrados?”. Quem teve que atravessar esse período de distanciamento social numa habitação com essa configuração provavelmente teve uma experiencia bem particular. Para casais com filhos, ou idosos que moram sozinhos, a situação é ainda mais complicada. O isolamento pôs de manifesto que uns metros a mais, mais luz, mais ventilação, espaço pra caminhar e respirar fazem toda a diferença. E mais: e se os espaços de uso comum não podem ser utilizados por medidas de isolamento?

Para o arquiteto espanhol Carlos Lamela [os arquitetos devem] “imaginar e construir lares onde prime a luz natural, a ventilação e uma mobilidade simples e confortável, independente do tipo de moradia. Estamos aprendendo que temos que idealizar moradias versáteis para um mundo imprevisto”. Nada mais são do que princípios clássicos de boa arquitetura mas que têm sido suprimidos em nome de uma suposta inovação na forma de morar. Se a vulnerabilidade do planeta a outros vírus como o atual for uma realidade que pode se tornar cada vez mais frequente – como defendem alguns – a arquitetura precisará dar uma resposta a altura deste desafio.   

Jober Pinto
Arquiteto e Urbanista
Pai da Carolina. Doutor em Arquitetura pela Escuela Ténica Superior de Arquitectura (ETSAM) da Universidad Politecnica de Madrid. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Ceará. Foi Coordenador de Patrimônio Histórico e Cultural da Secretaria da Cultura de Fortaleza, Ceará. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Projeto Arquitetônico, Patrimônio Cultural e Teoria e Historia da Arquitetura. É membro do International Council on Monuments and Sites (ICOMOS).

Jober Pinto

Pai da Carolina. Doutor em Arquitetura pela Escuela Ténica Superior de Arquitectura (ETSAM) da Universidad Politecnica de Madrid. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Ceará. Foi Coordenador de Patrimônio Histórico e Cultural da Secretaria da Cultura de Fortaleza, Ceará. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Projeto Arquitetônico, Patrimônio Cultural e Teoria e Historia da Arquitetura. É membro do International Council on Monuments and Sites (ICOMOS).

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