Muros “é tanto um protesto contra a parede quanto uma projeção sobre seu futuro”
Em julho desse ano uma notícia a respeito da intervenção dos arquitetos Ronald Rael e Virginia San Fratello teve muita repercussão. Rael é professor de arquitetura na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e Fratello, professora associada de design. Eles instalaram gangorras que ressignificam o muro (na verdade uma estrutura vazada) para separação dos EUA e do México como forma de demonstrar “que as ações que acontecem de um lado têm uma consequência direta do outro lado”.
As gangorras fazem parte do projeto Borderwall as Architecture iniciado em 2009. Trata-se de um manifesto artístico e intelectual sobre as barreiras físicas que começam a dividir os EUA e o México. O Borderwall as Architecture “é tanto um protesto contra a parede quanto uma projeção sobre seu futuro”.
Logo no início do governo Trump, foi demandado pelo Federal Business Opportunities a apresentação de ideias para a construção do muro. Em seis meses, os protótipos começaram a ser construídos ao longo da fronteira, em San Diego, enquanto aguardam a liberação do orçamento pelo Congresso. O Borderwall as Architecture apresenta uma série de opções para subverter essas barreiras que vão desde rampas de salto e catapultas a paredes verde de cactos e propostas artísticas e culturais: de um “Muro do Teatro”, “Parede de Escalada”, “Muro do Esporte”, “Muro do Burrito” (ver imagem abaixo) e “Muro do Nascimento”.
Eu vejo o futuro repetir o passado
(Cazuza. O tempo não para. 1988)
A ideia de dividir ou cercar um local não é nova. As primeiras cidades eram contornadas por muros com a finalidade de garantir certa segurança. Em várias situações, esses muros transformaram-se em obras interessantes nos aspectos construtivos e estéticos. Em outros, passam a ter, também, significado cultural.
Adeus, Lenin!
Nas pesquisas para escrever esse artigo, descobri que barreiras fronteiriças são muito mais comuns do que imaginava! Contudo, um é especialmente famoso: o que dividida Berlim em Oriental (comunista) e Ocidental (capitalista). Sobre ele recomendo o ótimo filme Adeus, Lenin! (2003) que fala da queda do Muro de Berlim em 1989 marcando o início da reunificação da Alemanha e o fim da Guerra Fria. Sua construção iniciou na noite de 12 de agosto de 1961 com uma estrutura provisória para, em seguida, executar uma parede de concreto com uma altura entre 3,4 e 4 metros. Complementava a segurança do muro a chamada “faixa da morte”. As poucas passagens que haviam eram controladas, dentre elas o Palácio das Lágrimas e o Checkpoint Charlie.
O muro de Berlim foi mantido em vários locais, com diferentes formas de relembrar o passado não tão distante. No East Side Gallery, vários artistas pintaram o muro transformando-o num longo painel. Já o centro de documentação Topografia do Terror está localizado no terreno onde funcionava a Gestapo, sendo um museu com vasta documentação sobre a ascensão e queda do nazismo, mas também mantém parte do muro que dividia a cidade.
Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
Só ficou no muro
Tristeza e tinta fresca
(Marisa Monte. Gentileza. 2000)
Vira e mexe, os muros ganham destaque. Em 2017, em meio a polêmica do programa Cidade Linda do governo municipal de São Paulo, o mural da Av. 23 de Maio que fazia parte do projeto Muros da Memória de Eduardo Kobra (2009) foi totalmente apagado. No lugar do antigo grafite, foi instalado o Corredor Verde da Avenida 23 de Maio, ainda em 2017. Após um ano de inauguração, o jardim vertical apresentava problemas de manutenção. Alguém sabe como está atualmente?
Muito brevemente, vimos que os muros podem, para além da sua estrutura, assumir funções e simbolismos diferentes. Como andam os muros do seu país, sua cidade, seu bairro, sua rua, sua casa?
Como Citar essa Matéria
PINHEIRO, Kelma. Muros. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 19 de agosto de 2019. Resenha. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/muros/>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]