NÃO vamos falar de arquitetura
Dia desses aqui no escritório, em mais uma das milhares de conversas que a gente tem sobre arquitetura, chegamos a uma conclusão. O que a gente produz, ou busca produzir, não se trata só de arquitetura, vai além.
Quando por exemplo, reforçamos a questão de absorver a cultura do local, entender o lugar onde você está inserido para produzir uma arquitetura cheia de identidade, estamos reforçando nossa autoestima. Reforçando o orgulho de ser nordestino, lutando contra todo e qualquer preconceito sobre o nosso lugar.
Quando especificamos materiais da região, estamos fomentando a economia local e isso é uma decisão política. Ultrapassa a concepção do desenho e impacta pequenos comerciantes e produtores da região. Tentamos com isso estimular o comércio e o serviço das nossas pequenas cidades. Além disso, com materiais mais simples e acessíveis, barateamos o custo final da obra, tornando-a mais acessível. O cliente fica satisfeito e nós também, pois assim conseguimos que os projetos tenham mais viabilidade de serem executados como foram pensados, saindo do papel para as nossas cidades.
Quando optamos por priorizar a arquitetura bioclimática, estamos também, além de proporcionar conforto térmico a edificação, pensando no futuro da gente como espécie que habita essa casa (planeta Terra) e que quer conservá-la para as gerações que virão. Priorizando ventilação e iluminação natural, por exemplo, conseguimos melhorar a eficiência energética do edifício, diminuindo muito o consumo de energia elétrica no seu dia-a-dia.
Quando especificamos nos nossos projetos paisagísticos, espécies nativas ou adaptadas, reforçamos duas questões: 1. A utilização de menos água para a manutenção desses jardins, visto que as plantas são completamente adequadas para o nosso clima, e 2. A valorização de espécies nossas, da caatinga, mostrando como é rico o nosso bioma, cheio de espécies resistentes e muito interessantes do ponto de vista estético, ornamental.
Por último, indicando sempre o Sul nos projetos, e não o Norte, nos colocamos com muito orgulho na condição de sul americanos, brasileiros, nordestinos, do sertão. Pegamos carona na obra inspiradora do artista uruguaio Joaquin Torres Garcia, que desenhou o mapa invertido da América do Sul. Segundo ele: “Tenho dito Escola do Sul porque, na realidade, nosso norte é o Sul. Não deve haver norte, para nós, senão por oposição ao nosso Sul. Por isso agora colocamos o mapa ao contrário, e então já temos uma justa ideia de nossa posição, e não como querem no resto do mundo. A ponta da América, desde já, prolongando-se, aponta insistentemente para o Sul, nosso norte. ” Joaquín Torres García, 1941.
Essa decisão é mais uma maneira de olharmos para nós mesmos, nos reconhecermos e assim podermos nos orgulhar da nossa condição, do lugar que ocupamos no mundo. Vamos todos juntos NÃO falar de arquitetura. Vamos todos juntos falar de todas essas questões para aí sim, produzir ou buscar produzir uma arquitetura cada vez mais próxima das pessoas, mais próxima da nossa realidade, mais próxima do meio ambiente, mais próxima da nossa cultura, enfim… mais próxima de nós mesmos.
Como Citar essa Matéria
LINS ARQUITETOS. NÃO vamos falar de arquitetura. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 8 de fevereiro de 2021. RESENHA. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/nao-vamos-falar-de-arquitetura>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]
Parabéns! Texto maravilhoso! É muito importante que todos nós, arquitetos, saibamos vender e comunicar toda essa proposta de valor que está inserida dentro de um “simples” projeto arquitetônico, que bem como descrito no texto, vai muito além e aborda tantas questões relevantes pra nossa comunidade.