Planejamento urbano e arquitetura: elementos transformadores do contexto da violência urbana em Fortaleza

“Ao longo de mais de cem anos de vida republicana, a violência em suas múltiplas formas de manifestação permaneceu enraizada como modo costumeiro, institucionalizado e positivamente valorizado, de solução de conflitos de corrente das diferenças étnicas, de gênero, de classe, de propriedade e de riqueza, de poder, de privilégio, de prestígio. Permaneceu atravessando todo o tecido social, penetrando em seus espaços mais recônditos e se instalando resolutamente nas instituições sociais e políticas em princípio destinadas a oferecer segurança e proteção aos cidadãos”.

(ADORNO, 1995, P. 301).

São essas instituições nas quais a violência se manifesta. Segue-se uma ordem institucional: família; religião; escola; por fim o Estado, o qual é o principal corroborador para o aumento da violência urbana, notadamente, considerando que, “os Estados muito violentos são aqueles que oferecem grande contraste entre riqueza e pobreza, (…)” (WAISELFISZ, Júlio Jacobo, 2010). Isso atinge não só as outras instituições sociais, mas também o espaço onde elas estão inseridas, denominado espaço urbano, pressupondo que este espaço é a imagem da sociedade que o compõe.

Na configuração do espaço urbano de uma cidade como Fortaleza, por exemplo, é nítida a ação da violência urbana, particularmente ao se falar do planejamento urbano e de seus resultados, dando enfoque, sobretudo, ao conceito de segregação socioespacial que, por si só, é um ato de privação, consequentemente um ato violento.
“Criam-se sítios sociais, uma vez que o funcionamento da sociedade urbana transforma seletivamente os lugares, afeiçoando-os ás suas exigências funcionais. É assim que certos pontos se tornam mais acessíveis, certas artérias mais atrativas e, também, uns e outros, mais valorizados”. (VILLAÇA, 1998). A segregação social e espacial em uma cidade pode estar atrelada a diversos fatores: ao fator socioeconômico, ao contexto histórico socioespacial da cidade, ao seu zoneamento, entre outros. O planejamento urbano cumpre um papel primordial quando mal pensado ou pensado para atender interesses particulares, podendo ser determinante para a criação de áreas segregadas.

Cidades mal planejadas tendem a ter um índice de violência alto e a segregação urbana é um dos fatores que geram essa violência; quando um determinado lugar da cidade se torna mais atrativo que outros ele se torna mais valorizado e consequentemente o custo de vida desse determinado espaço aumenta, fazendo com que pessoas que possuem uma renda econômica baixa não consigam arcar com as despesas que o local as impõe e acabam se alocando em lugares mais distantes, geralmente nas periferias da cidade, em lugares que a infraestrutura urbana, saneamento básico e outros serviços essenciais seja mínimo ou em muitos dos casos nem exista. “A violência nos despoja de nossa vida, nossos direitos como pessoas e cidadãos. Sempre que temos o sentimento de privação, de que algo está sendo negado a nós sem uma razão sólida e fundamentada posso estar seguro de que uma violência está sendo cometida”. (ODALIA, 1991). Quando o Estado se omite ao invés de buscar solucionar os problemas da falta de planejamento urbano das áreas periféricas, privando os indivíduos que residem nessas regiões de ter acesso a todos os serviços básicos essenciais para a cidadania, ele, o Estado, comete violência para com essas pessoas, nesse caso a falta de um planejamento urbano eficiente nessas áreas é uma problemática e cabe ao Estado buscar soluções.

Na cidade de Fortaleza por exemplo, segundo o mapa de criminalidade e violência, os bairros que consistem as regionais V e VI são os bairros que possuem um índice de criminalidade elevado, comparado aos de outras regionais, paralelo a isso, segundo aos dados de cada regional, essas são as regionais que menos recebem investimentos em infraestrutura e saneamento por parte da prefeitura.
Esse mal planejamento urbano e a violência que ele acarreta, forma uma população que não vive a cidade pelo medo. A vivência das pessoas nas áreas urbanas implica em como manter menor contato com o mesmo. Dessa forma, o planejamento urbano passa a ser pautado de modo a comportar o tráfego de automóveis, dificultando a acessibilidade para pedestres, os quais se veem em um espaço urbano restrito.

Uma das principais maneiras de diminuir a violência nas ruas é fazer com que as pessoas transitem pelo ambiente, havendo assim uma vigilância natural. Entretanto, o próprio medo da violência impede que esse passo seja tomado pela população. Geralmente, no cenário urbano é perceptível a pressa de alcançar o carro ou a edificação, sem olhar para os lados, sem ver ou usufruir da cidade como pedestre. Pensando nisso, é correto dizer que este é um bom planejamento se não permite que a cidade seja vista?

Parques, por exemplo, seriam lugares que ajudariam no aspecto do convívio, entrementes, em um planejamento urbano não muito pensado, eles estariam propensos a se tornarem lugares vazios e violentos. O parque, neste caso, pouco seria utilizado pelos moradores da região os quais viriam de carro, se tampouco o fizessem, principalmente se tratando de um local mais segregado.

Por isso, um bom planejamento urbano se preocupa em não só implementar soluções disponíveis, mas também aprofundar na viabilidade e nas consequências o entorno e a sociedade.

Referências

ADORNO, Sérgio. A Sociedade Entre a Modernidade e a Contemporaneidade. Universidade Federal Rs, 1995. P. 301.
VILLAÇA, Flávio. O Espaço Intra-urbano no Brasil. Saraiva, 1998.
WAISELFISZ, J. Jacobo. Entrevista ao IHU On-Line, 2010.
ODALIA, Nilo. O que é violência. São Paulo: Brasiliense, 1991.

 

Projeto Batente
Plataforma online que alcança desde o estudante aos grandes arquitetos, promovendo diálogo e debates, servindo de ponte entre eles e futuros projetos agregando informações para a construção de projetos arquitetônicos e urbanísticos além conhecimento sobre os profissionais desse ramo e todos as áreas que trabalham em conjunto.

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