Quando as linhas costuram a cidade
A pintura com linhas
As mãos guiam a agulha com linha sobre o tecido e dão formas ao que chamamos de bordado. Não se sabe ao certo, a partir de um viés histórico, quando o gesto de bordar começou. O que se sabe é do bordado ser popularmente considerado tradicional e relacionado ao feminino. No entanto, é preciso expandir o olhar para esta compreensão.
O bordado tem resquícios de uma história milenar e é importante sabermos um pouco dela. É difícil constituir uma linha do tempo que trace o surgimento do bordado. É possível sim, encontrar pistas nas civilizações antigas em um colar bordado, que foi encontrado na tumba do faraó Tutancâmon, datado de 1323 a.C. Sabe-se que na Idade Média era utilizado como ornamento de vestuário da realeza e símbolo de distinção de classe. Além disso, era um ofício de caráter artístico exclusivo de mestres artesãos.
A partir da Revolução Industrial, o bordado se popularizou e passou a ocupar um lugar de artesanato. A atividade migrou das mãos dos mestres artesãos para se tornar um fazer tradicional e relacionado ao feminino que atravessa gerações.
Apesar de o bordado ainda ser associado ao ornamento, suas técnicas vêm deixando cada vez mais os espaços tradicionais para serem experimentadas nas artes visuais e ocupando museus, galerias e ruas.
As linhas costuram as ruas
No espaço urbano, em especial, diversos artistas têm levado o bordado para inventar outros modos de experienciar a cidade. Como, por exemplo, a artista espanhola Raquel Rodrigo que utiliza a técnica de bordado ponto cruz em malhas de arame para intervir em fachada de casas antigas das ruas de Madri. Com cordas coloridas, a artista criou uma série de instalações de florais que parecem grafites ou pinturas manuais.
Trabalho semelhante, a portuguesa Ana Martins busca levar o bordado para as ruas com a intenção de desconstruir a compreensão de uma técnica tradicional em um desenho moderno que conecta culturas e gerações. Com lã, pregos e parafusos, a artista utiliza a técnica do bordado ponto cruz em muros e paredes a partir de suas memórias e lembranças afetivas.
Em São Paulo, encontramos no Coletivo Meiofio o que denomina de “bordado urbano”. Com esta proposição, o grupo intenciona ressignificar as ruas com narrativas poéticas em desenhos e dizeres sobre grades, portas e muros. A partir de encontros em espaços públicos para a realização de atividades manuais, o Coletivo se posiciona no contrafluxo da rapidez das metrópoles.
Alguns desses exemplos ilustram a potência criativa que se pode tecer com o bordado para inventar modos de experienciar a cidade. As linhas ocupam a cidade costurando formas possíveis de criar outras paisagens.