Sobre as ofertas de estágios na visão de uma estudante

Meu primeiro impulso foi o de fazer disso aqui um relato pessoal, e no fim percebi que não dá para ser diferente disso. Falo como quem estagiou durante duas faculdades, viu e ouviu muita coisa dos colegas. Acredito que precisamos nos posicionar e levantar questões diante do que vivenciamos para que discussões existam e situações melhorem. E algo que me incomoda muito são as ofertas de estágios e como os mesmos são encarados por parte de alguns escritórios. Ênfase no alguns.  

Já estive no mercado de trabalho e já fui empresária, então tenho noção das dificuldades. Mas acredito que estas não justificam posicionamentos que atrapalhem o aprendizado dos estudantes nem tampouco que os desrespeitem. Resolvi elencar os principais pontos que mais me incomodam enquanto ex-estagiária e colega de estagiários.

Nem tudo foi vivido por mim, ainda bem, mas são questões que vemos acontecer sempre!

Primeiro, a oferta de “estágio voluntário” me parece errada em muitos níveis. Há pessoas que, como eu, tiveram a sorte de não precisar se sustentar durante os estudos, mas acredite: a maioria dos meus colegas não tem a mesma sorte. Vi estudantes mantendo emprego e estágios e chegando morto para a aula no período da noite. Não somos só recém-saídos da escola e quando somos muitas vezes estamos em famílias que não podem oferecer suporte como gostariam. Já vi colegas deixando de almoçar para garantir que tenham dinheiro da passagem até o final da semana. Quando você diz que para aprender com seu escritório só será possível sem qualquer remuneração você está privilegiando estudantes já privilegiados, como eu, e excluindo os estudantes que mais precisam, como meus colegas. Consegue perceber a injustiça nisso?  

Segundo, que estagiário não é para estar ali para ser um funcionário que recebe pouco ou nada. Não justifica fazer estagiário de cadista, cortador de prancha especialista no site do CAU. Lógico que aprendemos muito detalhando em AutoCAD. Eu detalhei muito em Cad, chegava a ser maçante, mas meu chefe pegava cada erro meu e justificava cada detalhe mesmo tendo um milhão de outras responsabilidades. Com o tempo íamos fazendo as coisas cada vez mais rápido e com cada vez menos erros. Ele investiu na gente com conhecimento. É diferente de você cobrar que um estagiário saiba de tudo só porque está em semestre x ou y na faculdade, nenhum curso faz arquitetos maravilhosos sem a ajuda de vivências fora da faculdade. Por que seria assim com seus estagiários? 

Terceiro, estágios “com experiência” é piada pronta. Se você quer contratar alguém com experiência, por favor, contrate um profissional. Nem vou me alongar nesse tópico para não ser indelicada. Mas exigir um aprendiz com experiência é obviamente dizer que não vai ensinar, mas quer alguém que faça o serviço. Assim você está desrespeitando você mesmo, sua própria classe. Quem faz o serviço com experiência é o profissional. Bom senso! Eu, como estagiária, não queria ter tido as responsabilidades e o trabalho dos arquitetos que trabalhavam comigo sem receber o mesmo que eles. Eu, como arquiteta, não quero para os estagiários meus trabalhos e responsabilidades recebendo bem menos do que eu.

Por fim, estagiários não são tapa buracos e esse é um assunto que não deve ser de interesse só dos estudantes. É algo de suma importância se pensarmos no futuro da nossa profissão como um todo. Formar bons profissionais é um problema que vai além dos cursos e que você toma para si quando aceita um estudante no seu escritório.  Quero lembrar também que estagiários possuem responsabilidades que devem ser cumpridas para que as responsabilidades de quem oferece estágios possam ser devidamente cobradas.

No mais, deixamos o espaço aberto para que você se manifeste sobre o assunto caso sinta necessidade. Seja como estagiário ou empregador. E deixamos aqui também a lei de estágio vigente] em caso de dúvidas.

Jade Maranhão
Arquiteta e Urbanista
Ariana com ascendente em Câncer e cabeça na lua. Casada, feminista, sem filhos. Muito café e chocolate. Nasceu no século passado com a cabeça no século seguinte.
Facilidade para aprender, planejar e gerir projetos, desenhos manuais, softwares de edição de imagens e playlists animadas. Detalha projetos, faz maquetes eletrônicas, tem a criatividade aguçada, sabe fazer o quadradinho. Odeia goiaba.
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Jade Maranhão

Ariana com ascendente em Câncer e cabeça na lua. Casada, feminista, sem filhos. Muito café e chocolate. Nasceu no século passado com a cabeça no século seguinte. Facilidade para aprender, planejar e gerir projetos, desenhos manuais, softwares de edição de imagens e playlists animadas. Detalha projetos, faz maquetes eletrônicas, tem a criatividade aguçada, sabe fazer o quadradinho. Odeia goiaba.

4 thoughts on “Sobre as ofertas de estágios na visão de uma estudante

  • 23/04/2018 em 1:20 pm
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    Tive muita sorte com meu 1o estágio. Um dia, cansada de esperar um QI pra conseguir um estágio, peguei a lista telefônica e fui ligando para todos os escritórios de arquitetura perguntando se precisavam de estagiário. Consegui uma entrevista quando cheguei no P. Estagiava 3x na semana, ganhava $250 por mês e pagava minhas próprias passagens de ônibus. Meu chefe me ensinou muito do que sei hoje, não apenas em termos de conhecimentos acadêmicos, mas também sobre a realidade profissional que estaria me esperando. Nas férias, ia todos os dias e não recebia a mais por isso. Fiquei lá até me formar e saí sem receber o pagamento dos dois últimos meses.
    Realmente eu não precisava do dinheiro pra me sustentar, mas era com ele que eu comprava livros, pagava xerox, ônibus e papel manteiga. Fui feliz porque não tive chefe, e sim um excelente professor.

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    • 23/04/2018 em 4:48 pm
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      No estágio em Arquitetura que eu tive, e você estava lá, eu também tive um professor incrível que foi o seu Luiz. O pagamento quase sempre não era em dia, mas valeu muito a pena ter ele por perto. Ás vezes ficava os dois turnos e não colocava isso em folha. E a minha grana tbm era pra comprar coisas que não eram “essenciais”. Mas a gente sabe que pra estudante sem quem lhe sustente qualquer 250 reais faz uma diferença danada.

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  • 23/04/2018 em 4:50 pm
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    Muito feliz de ler isso! É a primeira vez que vejo uma matéria tão sensata vindo de uma arquiteta, em relação a estágios.
    É bastante injusto e precisamos falar mesmo sobre o assunto para que a realidade passe a mudar.
    Obrigada pela matéria, já vou compartilhar!

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