Um protagonista chamado espaços públicos
Os espaços públicos não são e não devem ser meros coadjuvantes da vida urbana.

Shanghai é o lar de mais de 150 mil estrangeiros, cuja maior parte se concentra em determinados bairros da cidade, onde há maior oferta de serviços aos expatriados. Foi num bairro local, entretanto, com população quase totalmente chinesa, que decidimos estabelecer morada. Tangzhen, nosso bairro escolhido devido à proximidade com o local de trabalho, nos tornou especialistas em uma forma de comunicação bem antiga, a mímica. Lá praticamente ninguém fala inglês, a comunicação é uma grande dificuldade vivenciada, juntamente com a alimentação, uma vez que não há restaurantes e supermercados com produtos ocidentais. Apesar desses pequenos perrengues, os espaços públicos de Tangzhen nos presenteiam com um dia-a-dia imerso na cultura chinesa. 

Pescadores sentados na beira de canais aguardando suas iscas serem capturadas. Caixas de som que embalam incansavelmente a dança de pessoas nas praças, às vezes acompanhados por seus leques ou espadas. Corpos que suavemente se movimentam na prática do Tai chi chuan. Melodias dos mais diversos instrumentos musicais. Vozes desafinadas nos karaokês. Bolas de basquete a quicar na quadra. Rodinhas dos patinetes e bicicletas das crianças. Avós que brincam com seus netos. Senhores que deslizam suas peças nos tabuleiros. São algumas das cenas cotidianas dos espaços públicos na cidade de Shanghai.

A movimentação nos espaços públicos se desenrola ao longo do dia como uma música, que tem um ritmo definido, intensidades variadas e muita harmonia. Os espaços recebem uma variedade de atividades e público diverso durante todos os horários. O que torna o espaço movimentado, convidativo, seguro e democrático, não só durante o dia, mas também a noite. Os chineses têm um estilo de vida que leva em consideração o bem-estar do próximo, ou seja, possuem uma postura comunitária que preza pelo bem público. Cada habitante constrói parte da harmonia coletiva que se vivencia na cidade, que por sua vez colhe os frutos desse sentimento de que o conjunto vale mais que o individual.

Os espaços públicos não são e não devem ser meros coadjuvantes da vida urbana, como muito se vê no Brasil. Áreas funcionando apenas como locais de passagem, que não convidam as pessoas a permanecerem lá. Esses ambientes devem incorporar o papel de protagonistas da cidade. Espaços abertos de livre acesso que acolhem e conectam as pessoas de forma democrática. Essa apropriação positiva do espaço promove interações, trocas, relações humanas e abraçam a diversificação de uso. Há, ainda, os inestimáveis benefícios para a saúde, tanto física quanto mental, graças ao contato direto com a natureza em meio às mega construções, comércio e casas, que ajudam a amenizar os níveis de estresse e reforçam a sensação de bem-estar em meio ao ambiente urbano. Quando olhamos esses espaços, entendemos que é ali, é na rua ocupada, que a vida acontece.

A apropriação positiva pela população chinesa e a consequente vitalidade urbana dos espaços públicos em Shanghai, atuam como um convite às pessoas para estarem na rua. É atrativo, é um estímulo à convivência e à permanência que naturalmente vai gerar também saúde, segurança e bem-estar. Esses espaços intensamente percebidos, vividos e cuidados pela população têm importância significativa na qualidade de vida das pessoas. Será por isso que os chineses vivem mais?!

Como Citar essa Matéria
ESMERALDO, Lara. Um protagonista chamado espaços públicos. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 23 de maio de 2020. Urbanismo. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/um-protagonista-chamado-espacos-publicos>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]

Lara Esmeraldo
Arquiteta e Urbanista
Arquiteta e urbanista formada na UFPB com mestrado em construção sustentável na UFU. Atuou em escritórios de arquitetura e urbanismo nacionais e internacionais e foi professora universitária por 5 anos. Apaixonada por viagens e pela aventura de descobrir novos lugares e culturas, já morou em diversas cidades brasileiras, além da Colômbia, Canadá e França. Atualmente compartilha através desse espaço suas aventuras na China.

Lara Esmeraldo

Arquiteta e urbanista formada na UFPB com mestrado em construção sustentável na UFU. Atuou em escritórios de arquitetura e urbanismo nacionais e internacionais e foi professora universitária por 5 anos. Apaixonada por viagens e pela aventura de descobrir novos lugares e culturas, já morou em diversas cidades brasileiras, além da Colômbia, Canadá e França. Atualmente compartilha através desse espaço suas aventuras na China.

3 thoughts on “Um protagonista chamado espaços públicos

  • 23/05/2020 em 12:45 pm
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    Ficou excelente prima. Você tem o dom de uma grande escritora. Sucesso e parabéns pela experiência vivida na China.

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  • 23/05/2020 em 1:00 pm
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    Sinto falta dessa vitalidade nós espaços públicos no Brasil. Excelente texto, me fez sentir como se estivesse vivendo a realidade de lá!

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  • 23/05/2020 em 1:10 pm
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    O espaço muda a cultura. A cultura muda o espaço. Como é bom ler sobre espaços públicos valorizados, bem planejados e que realmente funcionam caracterizando de forma positiva toda uma sociedade local! Muito bom o texto!

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