A representação arquitetônica como problema (parte 1)
A contemporaneidade vem aumentando a distancia entre o exercício criativo da projetação e o problema técnico do processo construtivo

Diferentemente dos registros históricos de obras escritas, o mundo antigo não legou à posteridade as representações gráficas que ajudaram a erguer suas cidades, edifícios e monumentos. 

Apesar dos mosteiros medievais terem chamado pra si a tarefa de conservar todo o saber da antiguidade não há qualquer vestígio de registro – até onde se sabe – que indique a existência de representação gráfica das construções greco-romanas; da genial arquitetura gótica menos ainda nos foi legado nesse sentido. Não podemos esquecer que o culto à personalidade era um costume proibitivo na Idade Média. A Vaidade era um dos sete pecados capitais condenados pela Igreja. No entanto é difícil imaginar que a arquitetura de tais períodos tenha alcançado tamanho requinte geométrico sem o concurso instrumental da geometria euclidiana que surgia ali por volta dos 300 antes de Cristo.

Os registros de representação arquitetônica que chegaram a nós só foram possíveis na modernidade com a revisitação da cultura greco-romana. Os primeiros registros gráficos de arquitetura que nos chegaram vieram pelos esboços artísticos de gênios como Michelângelo, Da Vinci, Alberti, Bruneleschi et al. Somente no Renascimento o arquiteto veio a ser efetivamente o personagem autoral de sua obra. Para além do óbvio domínio da geometria euclidiana o Renascimento legou-nos a técnica da representação em perspectiva aproximando desenho de objeto arquitetônico, ou seja, antecipando-o pela tridimensionalidade. Entretanto foi no século XVIII, com Gaspar Monge e sua Geometria Descritiva que o desenho ganhou verdadeiramente o status de representação técnica da forma como hoje o conhecemos. O próprio conceito de “projeção” e de Verdadeira Grandeza foram definitivamente incorporados pelos projetistas de arquitetura e pela Engenharia nascente (enquanto campo disciplinar). 

A Revolução Industrial – e com ela a Razão Instrumental – impactou de forma definitiva o modus faciendi de todos os saberes da antiguidade ao alienar  gnosis de technè. O arquiteto, antes mediador absoluto do processo criativo-construtivo, passou a projetista desvinculando-se, portanto de suas obrigações tectônicas de comando para dedicar-se exclusivamente ao processo criativo do pensar (conceituar), do imaginar (visualizar) e por fim do projetar (representar) o objeto arquitetônico.

A contemporaneidade vem aprofundando radicalmente o fosso entre o exercício fundamentalmente criativo da projetação e o problema eminentemente técnico do processo construtivo. No campo da representação os instrumentais euclidiano (fundante do desenho geométrico) e mongeano (da representação bidimensional) foram cedendo lugar às técnicas virtuais de desenho que longe de resgatarem o saber quase iniciático do primeiro e aguçarem a percepção espacial proposto pelo segundo, os tornaram instrumentos cada vez menos apreendidos pelo aluno e por conseqüência, pelo futuro profissional da arquitetura. 

Pra que afinal sermos conhecedores de todos os “mistérios” dos círculos e de suas concordâncias? Para que dominar a expressão bidimensional de um corte ou de uma fachada que apresentam planos e elementos inclinados… Mais ainda, porque apreender o que constitui a materialidade (e a espacialidade) de um objeto construído se as últimas gerações de softwares, já os mastigam por mim? 

Será que a crescente queixa de que os TCC’s de arquitetura pecam por falhas de representação possui algum nexo com essa ruptura verificada entre desenho analógico e virtual? Ou por outra, até que ponto a automatização e parametrização do projeto – desvinculadas das noções primordiais da geometria – seriam responsáveis pela carência informacional das representações técnicas?  

Não defendemos o resgate da elaboração analógica da geometria, mas é importante que o profissional domine razoavelmente os constructos básicos da geometria para operar os poderosos softwares de desenho com a consciência formal/espacial que se espera de um arquiteto. 

O problema , claro, é tarefa para a instituição acadêmica. 

Como Citar essa Matéria
BANDEIRA, Brennand. Curadoria. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 13 de janeiro de 2021. Educação. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/a-representacao-arquitetonica-como-problema-parte-1/>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]
Brennand Bandeira
Arquiteto e Urbanista
Antes de tudo sou um apaixonado pelos temas da cidade e dos processos urbanos. Graduado em arquitetura e urbanismo pela UFC (1995) com mestrado em Psicologia pela mesma instituição (2012). Professor Unifor (2013 - 2017) e UNI7 desde 2015. Com áreas de atuação em projeto, design de interiores, design gráfico, habitação social, conforto ambiental e APO. Contista e articulista colaborador do jornal APraça, maior e mais longevo periódico da região centro-sul do estado, de 2001 a 2006.

Brennand Bandeira

Antes de tudo sou um apaixonado pelos temas da cidade e dos processos urbanos. Graduado em arquitetura e urbanismo pela UFC (1995) com mestrado em Psicologia pela mesma instituição (2012). Professor Unifor (2013 - 2017) e UNI7 desde 2015. Com áreas de atuação em projeto, design de interiores, design gráfico, habitação social, conforto ambiental e APO. Contista e articulista colaborador do jornal APraça, maior e mais longevo periódico da região centro-sul do estado, de 2001 a 2006.

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