Cultura artística extra-curricular: imprescindível para formação do arquiteto projetista

Encontrava-me em Iguatu no vestíbulo residencial de meus avós  quando chegou à minha mão um exemplar da célebre revista Manchete. A Manchete atraía seus leitores pela exuberância de seu material iconográfico em detrimento de sua informação textual. A reportagem de capa mostrava a arrojada arquitetura contemporânea de Chicago. Folheei avidamente as páginas da matéria e – maravilhado – sorvi o espetáculo daquelas fotografias em couchê. Tinha não mais que 14 anos de idade quando naquela tarde decidi a profissão que queria seguir. É bem verdade que desde cedo alguns sinais mostravam-se indicativos das minhas futuras escolhas. Gostava de desenhar desde a mais remota idade. Ainda na primeira infância conheci um exímio desenhista chamado Nilson. Perfeito domínio do traço. Era quase inacreditável que houvesse alguém na minha cidade que desenhasse tão bem quanto os craques dos meus gibis favoritos. Cada vez que Nilson entrava no estabelecimento comercial de meu pai não saía de lá sem deixar um de seus maravilhosos desenhos pra mim. 

Entre meus 10 e 15 anos comecei a criar meus próprios personagens de gibi. Para ser honesto não sei bem dizer o que me desmotivou a produzir gibis. O fato é que me desinteressei pelo desenho artístico ainda na adolescência. 

Quando se deu aquela epifania com as tais imagens da Manchete já morava a pouco mais de 01 ano em Fortaleza. Daí em diante, quase como num passe de mágica, a arquitetura fortalezense dos anos 70 saltou-me aos olhos com toda sua sedutora formalidade… Sempre a caminho de algum destino, extasiava-me cada vez que passava defronte a Assembléia Legislativa com suas empenas sinuosas de concreto e seu rico paisagismo de desníveis e taludes. Impressionava-me vivamente a magnífica volumetria daqueles dois edifícios de Acácio Gil Borsoi ali na Beira-mar. Maravilhava-me a transparência do edifício da DENTEL (hoje ANATEL), uma elegante caixa de vidro resguardada por brises verticais pendentes (um viva pro Fausto Nilo!). Lembro-me de quando redescobri com espanto os tetos parabolóides hiperbólicos da Rodoviária João Tomé, uma obra prima do concreto armado brasileiro. Obras icônicas da produção arquitetônica cearense. O apuro formal destes edifícios ratificou todo aquele meu interesse inicial pela arquitetura.

O talento de um arquiteto para o desenho artístico quase nunca explica a excelência formal de um projeto.  Nem sempre exímios desenhistas são bons arquitetos e a recíproca é verdadeira. No caso Niemeyer (exímio desenhista) o desenho resume perfeitamente o conceito projetual. A concepção formal/estrutural de seus projetos já surge pronta do croqui. O fato patente é que – no mais das vezes – o croqui como instrumento de projeto se revela antes pela capacidade de registrar idéias-forma que propriamente expressá-las artisticamente. 

A gestalt é o ramo da psicologia que estuda o universo formal dos elementos que configuram uma totalidade circunscrita. Essa totalidade compositiva é percebida num jogo de sutis inter-relações objeto-fundo.   Desenvolver uma consciência ‘gestaltiana’ possibilita ao arquiteto o domínio consciente-intuitivo desse jogo formal que é próprio da Arte. Domínio este que permite-o conceber, por exemplo, os ritmos que resultam de uma composição entre cheios e vazios, a combinação harmônica (ou contrastante) entre cores e texturas, a exploração do jogo dramático de sombra e luz… habilidades que são constituídas na formação curricular, mas sobretudo na formação extra-curricular do aluno. Por isso cultivar o hábito de frequentar galerias de arte e museus, “curiar” a produção arquitetônica de colegas talentosos, interessar-se por tudo que remeta à apreciação formal, enfim estabelecer intensa fruição com o fenômeno estético é a forma mais barata e eficaz para iniciarmos no complexo universo formal da arquitetura. 

Como Citar essa Matéria
BANDEIRA, Brennand. Cultura artística extra-curricular: imprescindível para formação do arquiteto projetista. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 10 de junho de 2021. Educação. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/ucultura-artistica-extra-curricular-imprescindivel-para-formacao-do-arquiteto-projetista>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]
Brennand Bandeira
Arquiteto e Urbanista
Antes de tudo sou um apaixonado pelos temas da cidade e dos processos urbanos. Graduado em arquitetura e urbanismo pela UFC (1995) com mestrado em Psicologia pela mesma instituição (2012). Professor Unifor (2013 - 2017) e UNI7 desde 2015. Com áreas de atuação em projeto, design de interiores, design gráfico, habitação social, conforto ambiental e APO. Contista e articulista colaborador do jornal APraça, maior e mais longevo periódico da região centro-sul do estado, de 2001 a 2006.

Brennand Bandeira

Antes de tudo sou um apaixonado pelos temas da cidade e dos processos urbanos. Graduado em arquitetura e urbanismo pela UFC (1995) com mestrado em Psicologia pela mesma instituição (2012). Professor Unifor (2013 - 2017) e UNI7 desde 2015. Com áreas de atuação em projeto, design de interiores, design gráfico, habitação social, conforto ambiental e APO. Contista e articulista colaborador do jornal APraça, maior e mais longevo periódico da região centro-sul do estado, de 2001 a 2006.

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