Materialidade fragmentada
A arqueologia urbana e arquitetônica como metodologia vital da cidade

A ruptura com o passado está diretamente associada ao processo de modernização das cidades, tanto nas pequenas quanto nas grandes. As consequências de destruição e perdas no espaço da cidade podem ser percebidas mesmo quando elementos da cidade antiga permaneçam ao lado dos modernos. Santos (2008) afirma:

Todas as cidades brasileiras – tanto as pequenas cidades e lugarejos do interior como as capitais – vêm sofrendo transformações urbanas, sociais, estéticas e culturais. E em todas elas uma grande porção de materialidade, testemunha de sua gradativa evolução, vai se modificando e desaparecendo nas renovações e nas modernizações, processo em que desaparecem muitas marcas evocativas das memorias de diferentes grupos sociais. 

Portanto, grande parte dessa memória perdida pode estar escondida na materialidade da cidade, principalmente em seu subsolo. Seus vestígios e fragmentos certamente estarão impregnados dos sentidos atribuídos pela sociedade que então a construiu e usou. 

Nas últimas décadas do século XX, entre as inúmeras arqueologias (gênero, classe, etnia, etc.) surgiram a arqueologia urbana e a arqueologia da arquitetura para tratar de materialidade construída, enquanto deixou de ser uma prática limitada ao passado distante e à recuperação de artefatos (fragmentos) em escavações. Dentro do patrimônio cultural, essa é a área com maior visibilidade e importância dentro da área, pois suscita maior preocupação com a conservação e preservação. 

Para a melhor compreensão da interface entre arqueologia, arquitetura e urbanismo, foi elaborada uma entrevista com a historiadora e arqueóloga Ana Paula Gomes Bezerra, doutoranda em História pela PUCRS e coordenadora do GT Cultura Material ANPUH/CE. Hoje, a pesquisadora atua no município de Sobral, região norte do estado do Ceará, no Programa de Gestão do Patrimônio Arqueológico – PGPA.

Francisco Diego: Fale um pouco sobre sua atuação com o PGPA, em Sobral, e a importância da cidade no campo arqueológico. 

Ana Paula: Antes de começar a falar sobre minha atuação, se faz necessário situar o leitor(a) sobre o programa. O PGPA Programa de Gestão do Patrimônio Arqueológico do Centro Histórico de Sobral, na Área da Internalização Subterrânea da Rede Elétrica, Telefônica e Lógica em implantação no Sítio Histórico da cidade, tendo sua primeira etapa em 2012/ 2013 e a segunda etapa em 2020. O nosso trabalho consiste no acompanhamento das obras de escavação do empreendimento, devido ao Centro Histórico ser tombado pelo IPHAN. A equipe é dividida em: acompanhamento arqueológico, resgate arqueológico, atividades laboratoriais e atividades integradas a educação patrimonial. A atividade que realizo está ligada às atividades laboratoriais, onde são analisados os fragmentos coletados no campo.

A cidade cumpre um papel importante no campo arqueológico, além do material arqueológico encontrado, possibilita o diálogo com a comunidade, que muitas vezes contribuem para entender melhor a dinâmica da cidade e de suas ocupações. 

Foto: SkyscraperCity Sobral

FD: Para você, qual a relação entre Arqueologia e Arquitetura? 

AP: A cultura material pode ser observada em bens móveis e imóveis, sendo o segundo as estruturas de casas, edificações ou fragmentos de uma construção. A arquitetura nos ajuda não apenas a identificar tais e entender tais estruturas, como o material construtivo que era utilizado, e ainda para compreender a expansão da cidade, tornando possível, por exemplo identificar as lixeiras coletivas e o traçado das ruas. Quando identificamos a partir das análises uma estrutura que encontra-se desalinhada a rua, pode-se entender o antigo traçado urbano, por exemplo.

FD: De que forma o patrimônio material se relaciona com o social?

AP: O patrimônio material está relacionado com o social de diferentes formas, sendo possível entender a dinâmica da cidade e dos diferentes grupos que por ali passaram. E ainda, entender as relações de pertencimento da comunidade com um bem material ou objetos que são coletados e que podem ou não se aproximar de suas memórias ou do seu cotidiano.

FD: Quais são os maiores desafios dentro de uma pesquisa arqueológica? Você acredita que os fragmentos arqueológicos podem ser estruturantes e fundamentais na conservação e preservação do desenho urbano?

AP: São muitos os desafios, mas o trabalho em si, vale a pena. Os fragmentos arqueológicos encontrados nos fornecem informações acerca do comportamento de consumo de uma cidade ou de um grupo, e ainda entender seu comportamento e estratégias para o descarte de lixo, no caso, a formação das lixeiras coletivas. 

FD: Como tem sido sua experiência na integração da arqueologia às atividades de educação patrimonial? 

AP: Sou Historiadora e arqueóloga o que me aproxima ainda mais da Educação Patrimonial, atividade que desenvolvo desde 2005. Entretanto, minha proximidade com o estudo sobre patrimônio e arqueologia se deu desde a graduação. Quando desenvolvemos atividades de arqueologia, nesse caso arqueologia de contrato, realizamos palestras com os operários da obra, escolas e comunidade em geral. Além de outras atividades que buscam aproximar a população da área impactada com o trabalho que está sendo realizado na área.

Visita de crianças na casa do Capitão-mor, campo de escavação arqueológica em Sobral-CE
Foto: Prefeitura de Sobral 

Com a entrevista e com os levantamentos feitos para a elaboração dessa matéria, nota-se que a arqueologia e a arquitetura são indissociáveis e ao mesmo tempo imprescindíveis nos trabalhos de restauro e requalificação de edifícios e espaços urbanos, e para mais, fundamentam a história da arquitetura.

Referências

A cidade sobreposta: a cidade de Sobral de sua materialidade. / Ana Paula Gomes Bezerra. (Org.). – Sobral- CE: Sertão Cult, 2020. 260p. SANTOS, N. F.

Interface entre Arquitetura e Arqueologia na Preservação do Patrimônio Cultural Urbano. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Memória Social e Patrimônio Cultural) – Universidade Federal de Pelotas, 2009.

Como Citar essa Matéria
FRANCISCO, Diego. Materialidade fragmentada. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 26 de janeiro de 2021. Resenha. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/mapeamento-dos-processos>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]

Francisco Diego
Arquiteto e Urbanista
Arquiteto Urbanista membro do Estúdio Andar Plural, com profunda admiração pelo urbanismo em sua explosão de sentidos e afetos. Também é artista plástico e desenhista autodidata desde os 12 anos de idade com diversas experimentações artísticas, como colagens, pinturas e reutilização de fragmentos, e busca na teoria da arte-educação o caminho para o desenvolvimento pessoal e profissional.

Francisco Diego

Arquiteto Urbanista membro do Estúdio Andar Plural, com profunda admiração pelo urbanismo em sua explosão de sentidos e afetos. Também é artista plástico e desenhista autodidata desde os 12 anos de idade com diversas experimentações artísticas, como colagens, pinturas e reutilização de fragmentos, e busca na teoria da arte-educação o caminho para o desenvolvimento pessoal e profissional.

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