O fascínio da forma como problema da arquitetura
A forma não deve preceder a problemática do projeto.

O aspecto formal do espaço construído exerce, especialmente sobre nós arquitetos, um poder de sedução inegável. A geometria ocupa tal centralidade no processo de nossa formação que nos leva a sobrevalorizar a exterioridade do objeto arquitetônico muitas vezes em detrimento das qualidades intrínsecas dos aspectos fenomenológicos decorrentes de seu uso.

Quando meu campo de atuação passou a aproximar-se mais do ensino que do mercado, fui percebendo junto aos estudantes um fascínio pela representação tridimensional que não encontrávamos nos pares de nossa época de estudante! Esse fascínio se justifica mais fortemente na medida em que os recursos de representação atuais dispensam quaisquer comentários se comparados aos que dispúnhamos trinta anos atrás. Softwares, antes dominados por instituições que desenvolviam tecnologia industrial de ponta como a NASA, passaram a ser difundidos – mais fortemente – pelo mundo do design a partir do final dos anos 80, proporcionando atalhos de elaborações geométricas antes só possíveis aos iniciados em geometria euclidiana e mongeana. Imaginem o quanto custou ao arquiteto Jꝋrn Utzon elaborar a complexa geometria da coberta da Ópera de Sidney (1957) ou, para não irmos muito longe, suponhamos o trabalho que João Vilanova Artigas despendeu para representar seus inspirados pilares da Rodoviária de Jaú (1976), ou do nosso Marrocos Aragão na magnífica coberta parabolóide hiperbólica da Rodoviária João Thomé (1973).

Estruturas em torção ou aparentemente hipostáticas, ora cinéticas, ora “desconstruídas” e sempre associadas à escalas cada vez maiores, à sofisticação hi-tech e à alturas tendendo ao infinito… Toda essa complexidade técnico-formal só foi possível graças aos poderosos softwares de projeto e cálculo estrutural. Claro que a evolução dos materiais, especialmente dos vítreos, dos poliméricos, das ligas metálicas e dos sistemas protetivos que possibilitam a segurança e a manutenção de todos estes elementos, contribuíram (contribuem) para consubstanciar a pirotecnia formal da chamada “Arquitetura do Espetáculo”.

Não que a surpresa e o encanto deixem de ser algo a ser perseguido na arquitetura. Muito pelo contrário! A qualidade associadas simbólico-formal do objeto arquitetônico nasceu com o processo civilizatório na medida em que técnica foi superando as dificuldades de transformar a Natureza.

A “Arquitetura do Espetáculo” vem sendo alvo de críticas – para além da forma – e que a vinculam à aspectos sociológicos da contemporaneidade associados à anomia e perca da identidade geradas pelas grandes aglomerações urbanas. Sabemos que o problema não se esgota por aí, claro, mas isso já seria assunto pra outro artigo.

Embora a metodologia de projetação seja diversificada, a forma ou se quisermos, sua representação, via de regra, não deve preceder a problemática, antes se constitui no processo de resolução desta. Surge, enfim como produto acabado após exaustivas reflexões sobre inúmeras questões decisórias decorrentes de outras tantas possibilidades conceituais, de limitações normativas, de problemas econômicos, de intenções várias (extra e intra projetuais)… nasce por fim do croquis, esse recurso ancestral da geometria que possibilita o diálogo demiúrgico entre intuição e racionalidade.

Dado os inúmeros problemas e interfaces que conectam a arquitetura a tantos outros saberes, Paulo Mendes da Rocha fala que “é impossível ensinar arquitetura, mas é possível educar o arquiteto”. De fato, como observa o mais premiado arquiteto brasileiro, “não dá pra dominar com excelência todos os saberes” que gravitam em torno da problemática suscitada pela arquitetura, por isso cabe ao arquiteto “se apropriar de uma linguagem que transcenda” (ou sintetize) este conjunto de saberes numa proposição sempre interdisciplinar e colaborativa.

E se posso dar um conselho ao estudante é: entusiasme-se pela forma, mas não permita que ela se sobreponha aos problemas. Que a forma não surja antes dos problemas, mas que antes surja destes.

Como Citar essa Matéria
BANDEIRA, Brennand. O fascínio da forma como problema da arquitetura. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 10 de julho de 2020. Arquitetura. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/o-fascinio-da-forma-como-problema-da-arquitetura>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]
Brennand Bandeira
Arquiteto e Urbanista
Antes de tudo sou um apaixonado pelos temas da cidade e dos processos urbanos. Graduado em arquitetura e urbanismo pela UFC (1995) com mestrado em Psicologia pela mesma instituição (2012). Professor Unifor (2013 - 2017) e UNI7 desde 2015. Com áreas de atuação em projeto, design de interiores, design gráfico, habitação social, conforto ambiental e APO. Contista e articulista colaborador do jornal APraça, maior e mais longevo periódico da região centro-sul do estado, de 2001 a 2006.

Brennand Bandeira

Antes de tudo sou um apaixonado pelos temas da cidade e dos processos urbanos. Graduado em arquitetura e urbanismo pela UFC (1995) com mestrado em Psicologia pela mesma instituição (2012). Professor Unifor (2013 - 2017) e UNI7 desde 2015. Com áreas de atuação em projeto, design de interiores, design gráfico, habitação social, conforto ambiental e APO. Contista e articulista colaborador do jornal APraça, maior e mais longevo periódico da região centro-sul do estado, de 2001 a 2006.

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