Procura-se um estagiário/Exige-se inexperiência

Deveria ser assim o anúncio quando um escritório de arquitetura precisa contratar um estagiário. O que cada um leva pra casa com essa colaboração? O estagiário tem acesso a informações que a sua escola não transmite, por negligência ou porque não é mesmo sua função; aprende coisas sobre legislação, sobre técnicas construtivas, detalhamentos, relação com a clientela, etc. O estudante passa a  lidar com “o mundo real”, seja lá o que isso queira dizer. Às vezes ganha algum dinheiro também.

O escritório dispõe ali de uma mão de obra qualificada num determinado sentido, mas sempre barata, que resolve em parte o desenvolvimento de alguns projetos, o cumprimento de prazos, apresentações com o programa da moda e tal. É assim que é, mas podia não ser. Podia ser melhor. Caso os escritórios fossem sempre superavitários, bem pagos, saudáveis financeiramente, talvez pudessem prescindir dessa ajuda e inaugurar com os jovens um outro cardápio comensal.

Deixamos de aproveitar o que um estudante tem de melhor: A alma livre, a ausência de vícios de projeto, a presunção saudável de que faz melhor, um jeito novo de olhar coisas antigas, tudo que a “experiência” tira de nós, caprichosa e perversamente, ao longo dos anos. A inexperiência é uma dádiva num embolorado escritório de arquitetura. Sangue novo para velhos vampiros.  O estagiário, por sua vez, deve ter fé de que sua visão é um frescor para a vida sem graça daqueles senhores e senhoras.

É muito cafona ser fã dos seus empregadores. O que ele, estagiário, deve pensar é que “se esses caras deixassem, eu mostraria como é que se faz!”. O novo sempre vem, e os velhos serão sempre resistentes. Essa presunção de que faria melhor, antes de ser um defeito, é necessária a um arquiteto. A arquitetura é uma atividade cheia de subjetividades. Chega uma hora em que os argumentos se esgotam e é necessário “presumir” que se está certo. Caso contrário, não há fim.

A inexperiência é um caminhão de doces e refrigerantes para velhinhos diabéticos. A gente vai morrer por causa disso…mas como é bom… 

Como Citar essa Matéria
MURATORI, Ricardo. Procura-se um estagiário/Exige-se inexperiência. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 22 de fevereiro de 2021. Educação. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/procura-se-um-estagiario-exige-se-inexperiencia>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]
Ricardo Muratori
Arquiteto e Urbanista
Terminei a graduação em 1984. Desde então exerço quase que somente atividade liberal com algumas experiências didáticas como professor substituto e convidado na UFC. Meu interesse maior é pelo desenho da edificação. Por herança de meus mestres carrego o modernismo como norte. Penso que entender de arquitetura é entender da vida. Talvez por isso seja tão difícil praticá-la.

Ricardo Muratori

Terminei a graduação em 1984. Desde então exerço quase que somente atividade liberal com algumas experiências didáticas como professor substituto e convidado na UFC. Meu interesse maior é pelo desenho da edificação. Por herança de meus mestres carrego o modernismo como norte. Penso que entender de arquitetura é entender da vida. Talvez por isso seja tão difícil praticá-la.

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