Arquitetura: Será que eu levo jeito pra esse negócio?

Num desses eventos que os colégios organizam antes do ENEM para auxiliar os alunos na escolha da profissão, fui falar sobre o que é ser arquiteto e sobre o que é arquitetura. Falei pra caramba, como sempre, fingindo saber a resposta. Lá pelo final, veio a pergunta que é referida no título desse texto: “ Como é que eu sei que eu levo jeito pra esse negócio?” Dei a resposta que dou até hoje:

– Se você é uma pessoa que adora tecnologia, tem uma mente cartesiana, gosta de ciências, de matemática, de física, se você desmonta as coisas pra saber como funciona, se você é racional e precisa de uma argumentação lógica pra ser convencido de algo, se você gosta de organização e disciplina, gosta de ser produtivo e ficar sem fazer nada lhe dá a sensação de que esta perdendo tempo, então não faça arquitetura.

– Se, por outro lado, você é uma pessoa que gosta e prefere a área de humanas, é fissurada em artes, música, cinema, literatura, se você nas viagens opta por um museu ou uma galeria ao invés de ir ao Hard Rock Café, se você vê o mundo através de um filtro de sensibilidade, se emociona feito besta, se a sua caixa de lápis de cor foi sempre mais importante que seu celular, se a parte mais legal do seu trabalho no colégio era a capa…, também não faça arquitetura.

– Se, finalmente, você não tem uma ideia muito clara sobre as coisas de  que gosta, ou gosta de muitas coisas aparentemente conflitantes como as descritas acima, se já ouviu em casa várias vezes dos pais: “Ai meu Deus, o que é que vai ser dessa criatura”, se a sua playlist é um patchwork de gêneros e ritmos, então lhe digo que há ai uma boa indicação de que você deveria fazer arquitetura. 

Não gostar de uma única coisa, ler Dostoiévski e depois assistir Blade Runner, chorar numa apresentação do Bolshoi e depois se acabar dançando forró, ler um mangá e depois ver um filme iraniano,  é uma pista forte de que você “leva jeito pro negócio”.

A nossa profissão é para especialistas no geral. É saber um pouco sobre muitas coisas. Embora dez entre dez “coaches” digam que os escritórios de arquitetura devam possuir um foco de atuação profissional, mesmo que seja verdade, é um saco. A especialização, como dizia Millor Fernandes, “… é saber cada vez mais, sobre cada vez menos, até saber tudo sobre nada”. O legal é projetar um bairro inteiro e dia seguinte refletir sobre um banco de praça, ou um corrimão de escada. O bacana é desenhar um hospital e dia seguinte pensar sobre o deck do seu tio. Essa diversidade de temas , escalas e abordagens é o grande lance da profissão. Pode não ser comercialmente a melhor estratégia, mas é massa demais. Nosso conhecimento deve ser, horizontalmente, de quilômetros com profundidade de uns dez centímetros.

Arquitetura é, portanto, uma profissão para indecisos, para quem não hesita em hesitar, para quem se permite pensar e pensar de novo em sentido contrário ao da primeira vez. Um arquiteto deve ser naturalmente inseguro quanto as suas decisões, deve dar tempo à verdade para que ela se manifeste como um fantasma camarada. Quem tem muita certeza de tudo logo de começo vira uma estátua de sal, calcifica, mumifica…

Arquitetura tem a ver com agonia e êxtase, dor e prazer, intensidade e suavidade. Se você é esse caldeirão de bruxa que mistura asas de morcego, chifres de unicórnio, pernas de rã,   borbulhando magia e segredo numa poção ebuliente, seja bem-vindo a profissão: você leva jeito pro negócio.

Como Citar essa Matéria
MURATORI, Ricardo. Arquitetura: Será que eu levo jeito pra esse negócio? . Projeto Batente, Fortaleza - CE, 26 de abril de 2021. Educação. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/arquitetura-sera-que-eu-levo-jeito-pra-esse-negocio>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]

Ricardo Muratori
Arquiteto e Urbanista
Terminei a graduação em 1984. Desde então exerço quase que somente atividade liberal com algumas experiências didáticas como professor substituto e convidado na UFC. Meu interesse maior é pelo desenho da edificação. Por herança de meus mestres carrego o modernismo como norte. Penso que entender de arquitetura é entender da vida. Talvez por isso seja tão difícil praticá-la.

Ricardo Muratori

Terminei a graduação em 1984. Desde então exerço quase que somente atividade liberal com algumas experiências didáticas como professor substituto e convidado na UFC. Meu interesse maior é pelo desenho da edificação. Por herança de meus mestres carrego o modernismo como norte. Penso que entender de arquitetura é entender da vida. Talvez por isso seja tão difícil praticá-la.

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