Um breve ensaio sobre a cidade pós-Corona Vírus
Qual será a cara da cidade e suas novas relações pós-pandemia?

A ideia de pólis confunde-se com a própria idéia de civilização que por sua vez se funda sob o imperativo do gregarismo. Somos gregários e chegamos até aqui justamente por essa qualidade ontológica.

A Literatura sempre esteve alguns passos à frente das predições científicas quando o assunto é sociedade. Obras como Farenheit 451 (Ray Bradbury), Admirável Mundo Novo (Audous Huxley) ou 1984(George Orwell) anteciparam – em mais de 60 anos – o contrato social e as transformações sócio-espaciais que hoje passam a sociedade. A anomia e o totalitarismo constituem o horizonte de narrativa destes três grandes romances que prefiguraram a sociedade distópica.

A pandemia do novo Corona Vírus – ao que tudo indica – deverá potencializar a tendência ao individualismo (já ensejado pelo avanço tecnológico) especialmente na área da comunicação. Os prognósticos mais otimistas falam da descoberta da vacina para 1 ano e meio à frente. Virologistas e expertos em biotecnologia apostam que esse tipo de ameaça poderá ser cada vez mais frequente. Até que a vacina seja descoberta, a sociedade que se acostumou a operar na rapidez do clique deverá, cada vez mais, voltar-se para dentro de si mesma e dificilmente sairá desse drama sem uma transformação significativa. Não se sabe ainda que tipo de transformação nem o quanto ela afetará as relações sociais ou qual será (enfim) o reflexo dessas transformações sobre o espaço privado e especialmente o público.

Como seriam arquitetonicamente tratados os ambientes que acolhem aglomerações, por exemplo? Como seriam projetados os novos espaços de cultura e entretenimento? O que serão dos teatros, cinemas, das novas casas de espetáculo? E as praças desportivas? Os grandes espaços públicos de convivência como praças e mercados? estariam fadados a acabarem? O poder público finalmente investirá pesado na estruturação dos equipamentos de saúde? Teremos cidades melhor saneadas, já que recentemente pesquisadores da UFRJ descobriram que o vírus da COVID19 é capaz de sobreviver nos esgotos? As diretrizes urbanas do planejamento pensariam a cidade sob esse novo prisma? O que determinará novos vetores de crescimento já que o adensamento parece ser uma proposta proibitiva? E se não, o que se pensará para proteger as pessoas que moram empilhadas sobre as outras em apartamentos e habitações de interesse social? Que modificações sofrerão as circulações verticais para isso? Enfim, qual será a cara da cidade pós-corona vírus? São muitas as questões.

Algumas soluções vão surgindo. Projetistas espanhóis e franceses esboçaram – nestas últimas semanas – algumas propostas para teatro e restaurantes da era pós-corona vírus procurando encapsular o indivíduo em sistemas de proteções translúcidas que garantem comunicabilidade. Design que definitivamente passa ao largo das graves questões inerentes à coletividade urbana. A arquitetura e engenharia não podem restringir-se em atender o “white people problems”.

A forçosa adaptação aos impositivos da biossegurança nos espaços públicos nos parece inimaginável à experiência ocidental. Não temos a cultura confuciana que confere aquela férrea disciplina social da China. O lockdown aqui em Fortaleza representa bem a medida daquilo que falamos.  Somos – especialmente os latinos – o povo do abraço, da festa, da insubordinação carnavalesca, de todas essas coisas que dificultam o controle institucional.

Com a vacina descoberta esperamos ardentemente que o ano de 2020 legue (a um futuro breve, oxalá) um maior compromisso das autoridades brasileiras na resolução dos graves e históricos problemas que afligem nossas cidades. Ao mesmo tempo é preciso compreender que temos parte ativa nesse processo de transformação. Sem que nos obriguemos a participar da arena da cidadania dificilmente superaremos as velhas questões que talvez se imponham (após a crise) de forma até mais contundentes.

Espero, por fim, que deixemos as “bolhas” de lado… todas elas. Estamos fartos de isolamento social.

Como Citar essa Matéria
MATOS, Alesson. Um breve ensaio sobre a cidade pós-Corona Vírus. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 27 de maio de 2020. Urbanismo. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/um-breve-ensaio-sobre-a-cidade-pos-corona-virus>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]
Brennand Bandeira
Arquiteto e Urbanista
Antes de tudo sou um apaixonado pelos temas da cidade e dos processos urbanos. Graduado em arquitetura e urbanismo pela UFC (1995) com mestrado em Psicologia pela mesma instituição (2012). Professor Unifor (2013 - 2017) e UNI7 desde 2015. Com áreas de atuação em projeto, design de interiores, design gráfico, habitação social, conforto ambiental e APO. Contista e articulista colaborador do jornal APraça, maior e mais longevo periódico da região centro-sul do estado, de 2001 a 2006.

Brennand Bandeira

Antes de tudo sou um apaixonado pelos temas da cidade e dos processos urbanos. Graduado em arquitetura e urbanismo pela UFC (1995) com mestrado em Psicologia pela mesma instituição (2012). Professor Unifor (2013 - 2017) e UNI7 desde 2015. Com áreas de atuação em projeto, design de interiores, design gráfico, habitação social, conforto ambiental e APO. Contista e articulista colaborador do jornal APraça, maior e mais longevo periódico da região centro-sul do estado, de 2001 a 2006.

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