Ocupar sem Romantizar
Ocupação como possibilidade de inclusão

Desde o início do isolamento social causado pela pandemia passei a residir na minha cidade natal, em Sobral, município sede da região norte do Ceará, situada a aproximadamente 230km da capital do estado. Nesse período de silêncios, estudos e diálogos através de telas, um dos meus principais questionamentos era de como seriam as futuras formas de ocupação da cidade e como a mesma poderá vir a ser um tema mais relevante e inerente a retomada do “antigo novo normal.” 

Como nos séculos passados, quando outras crises sanitárias motivaram transformações e novos planejamentos para cidades, criando o urbanismo moderno, a pandemia de covid-19 tem trazido muitos aprendizados e abre novos caminhos para uma nova utilização de espaços públicos. Mesmo com toda desigualdade social que assombra as cidades brasileiras de todos os portes, há uma chance que possa surgir dessa crise, como cidades mais humanas e acessíveis. Em Sobral, por exemplo, muito tem se falado em ocupação e, claro, muito tem visto verdadeiras ocupações de espaços públicos, seja em uma caminhada pela manhã, seja em uma tarde de piquenique, ou seja, em um pedal ao anoitecer. Práticas que vão além de hashtags e se torna um discurso indignado contra as incoerências que a urbe carrega.

Praça pública de Sobral | Imagem: Pinterest

Mas afinal, o privilégio de poder ocupar é para todos? 

Nas andanças diárias quando a cidade se tornava habitável e quando a situação pandêmica local surtia ar de melhora, eu caminhava pela margem esquerda do Rio Acaraú, um dos principais espaços públicos e históricos da cidade, e um adolescente que praticava slackline acenou pra mim e perguntou se eu tinha isqueiro. Respondi que não.

Em seguida, encostei e troquei ideias com ele e seus amigos sobre o esporte que eles praticavam. As conversas fluíram e um deles comentou que a carência de espaços públicos “nas áreas” deles era grande e era uma prática comum atravessar a cidade de bicicleta para ocupar aquele parque. 

Respondendo a pergunta acima: sim, o espaço público é para todos, mas nem todos são para o espaço público. 

Na medida que o assunto de ocupação se populariza, vai ficando evidente que existe falta de equidade socioterritorial nas cidades, as pessoas estão começando a perceber que alguns setores do espaço urbano não oferecem acesso aos serviços e que os equipamentos públicos não estão bem distribuídos e se concentram em áreas mais valorizadas.  

Contudo, percebe-se que é preciso descentralizar, acelerar a tendência de polinucleação, valorizar ainda mais vazios urbanos espalhados pelas periferias, para assim tornarmos os espaços públicos mais transparente e colaborativos. 

Incluir, convidar e permitir encontros é possibilitar a invenção de uma nova cidade, é aceitar sem temer as contradições que ela nos cede. 

Ah, umas pitadas de romantismo não mata.

Como Citar essa Matéria
DIEGO, Francisco. Ocupar se Romantizar . Projeto Batente, Fortaleza - CE, 6 de abril de 2021. Urbanismo. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/ocupar-sem-romantizar>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]
Francisco Diego
Arquiteto e Urbanista
Arquiteto Urbanista membro do Estúdio Andar Plural, com profunda admiração pelo urbanismo em sua explosão de sentidos e afetos. Também é artista plástico e desenhista autodidata desde os 12 anos de idade com diversas experimentações artísticas, como colagens, pinturas e reutilização de fragmentos, e busca na teoria da arte-educação o caminho para o desenvolvimento pessoal e profissional.

Francisco Diego

Arquiteto Urbanista membro do Estúdio Andar Plural, com profunda admiração pelo urbanismo em sua explosão de sentidos e afetos. Também é artista plástico e desenhista autodidata desde os 12 anos de idade com diversas experimentações artísticas, como colagens, pinturas e reutilização de fragmentos, e busca na teoria da arte-educação o caminho para o desenvolvimento pessoal e profissional.

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