Será que ficou legal esse meu projeto?
Será que ficou legal esse meu projeto? Eu levaria minha mãe pra ver?

Essa pergunta começa no primeiro atelier da faculdade. Mas não se preocupe: vai até sempre.

Como estudante, eu tinha um teste infalível, aterrador e confortável: Perguntava à minha mãe. As mães são uma espécie de repositório sábio do censo comum embrulhado com muito amor e cuidado. A minha, que hoje já está à minha espera em algum lugar do universo, achava que eu seria o maior arquiteto do planeta, mas não se furtava a fazer colocações surpreendentes e, quase sempre, tinha razão, demolindo com um sorriso e um beijo os primeiros arroubos “criativos”. Num desses dias de gênio indomável desenhei duas paredes que fugiam da ortogonalidade e se encontravam em ângulo agudíssimo gerando na fachada um efeito que pra mim seria espetacular. Mostrei a ela. Não sem antes pavimentar seu comentário com um daqueles sorrisos e um beijo amortecedor, disparou: “E como é que se mata uma barata ai nesse cantinho?”

Essas lições eram frequentes e fizeram nascer em mim um arquiteto mais responsável e atento às questões mais comezinhas. Sem essas preocupações, o nosso trabalho é estéril e presunçoso.

Por outro lado, uma vez resolveu comprar umas cadeiras novas pra sala da nossa casa. Veio com uns móveis de “estilo”, segundo ela. A peça do espaldar era fixada na peça do assento apenas por uns pinos. Do alto de meu conhecimento de segundo semestre sentenciei: “Esse espaldar vai afrouxar. A fixação não vai suportar a pressão.” Ela nada disse. Um mês depois as cadeiras de “estilo” abriram-se como um compasso frouxo. Foi a minha deixa para um orgulhoso “Eu não disse?” Ela mandou de volta uma resposta desconcertante: “Mas, também, todo mundo senta nessas cadeiras”. Eu quis argumentar que o mínimo que se esperava de uma cadeira é que ela suportasse o simples ato das pessoas sentarem-se nela. Estava ali, no entanto, uma outra lição preciosa, diferente da outra. A relação das pessoas com a arquitetura não é apenas utilitária. Há a emoção e o sonho, sem o que nosso trabalho é igualmente estéril e presunçoso.

As coisas não são apenas coisas. E seguimos pela vida… E

u colhendo suas lições e ela aguardando que eu me transformasse no maior arquiteto do planeta. Ela se foi antes de admitir que suas previsões não se concretizariam. Deixou em mim o hábito de avaliar cada novo projeto que faço segundo uma pergunta silenciosa: Será que ficou legal esse meu projeto? Eu levaria minha mãe pra ver?

Ricardo Muratori
Arquiteto e Urbanista
Terminei a graduação em 1984. Desde então exerço quase que somente atividade liberal com algumas experiências didáticas como professor substituto e convidado na UFC. Meu interesse maior é pelo desenho da edificação. Por herança de meus mestres carrego o modernismo como norte. Penso que entender de arquitetura é entender da vida. Talvez por isso seja tão difícil praticá-la.

Ricardo Muratori

Terminei a graduação em 1984. Desde então exerço quase que somente atividade liberal com algumas experiências didáticas como professor substituto e convidado na UFC. Meu interesse maior é pelo desenho da edificação. Por herança de meus mestres carrego o modernismo como norte. Penso que entender de arquitetura é entender da vida. Talvez por isso seja tão difícil praticá-la.

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