Meu quarto, meu mundo
Reflexões sobre as mensagens sutis do espaço em que se dorme.

Sala, cozinha, banheiro, área de serviço e quarto. O tradicional programa de necessidade nem sempre foi tão óbvio. O livro “Tudo sobre a Casa”, 2014, da jornalista espanhola Anatxu Zabalbeascoa, se propõe a fazer um resgate histórico sobre cômodos e mobiliários, e aponta que a “intimidade” é uma premissa que foi surgindo ao longo de séculos e modificando a configuração espacial das residências.

“O tempo muda os costumes. Até o final do século XVIII não havia surgido a ideia de intimidade e, portanto, não se considerava imoral nem incômodo compartilhar o quarto com um desconhecido. Quando isso começou a incomodar, produziu-se uma mudança sem volta. O novo conceito alterou a configuração do dormitório e a maneira de dormir.”

(ZABALBEASCOA, 2014)

Atualmente, a delimitação de um espaço de dormir é tradicionalmente incluso nas plantas de casas e apartamentos. Lugar de repouso, privacidade e também identidade.

Em 2004, o fotógrafo inglês James Mollison despertou para as seguintes reflexões: “durante a minha infância, quão significativo foi o meu quarto e o quanto que ele refletia o que eu tinha e quem eu era?”. A partir do amadurecimento desta ideia, deu início ao projeto “Onde as crianças dormem”, lançado em 2010.

Fotografias do projeto “Onde as crianças dormem”, de James Mollison

Na publicação do projeto, Mollison expressa o desejo de contemplar crianças nos mais variados contextos, mas alerta que não foi feita uma criteriosa seleção dos ambientes fotografados, tendo sido um projeto de caráter espontâneo, que ocorreu de forma paralela a outros. A opção de fazer um retrato da criança com fundo neutro, separada do ambiente foi uma decisão a fim de provocar, ao observador, a sensação de que, antes de serem crianças que levam vidas precárias ou privilegiadas, são, simplesmente, crianças. Logo, o propósito maior do projeto é provocar questionamentos sobre desigualdade e sobre a relação que essas crianças têm com seus respectivos espaços e objetos.

Com a pandemia do Corona Vírus, diante da necessidade de isolamento domiciliar, a relação com os ambientes de casa passou por transformações. A fim de estudar o brincar infantil espontâneo na pandemia, o programa Território do Brincar realizou uma pesquisa entre os meses de abril e junho de 2020 com 60 famílias em 18 países vivendo os mais diversos contextos. Partindo de uma escolha criteriosa do perfil dessas famílias, foram enviados questionários, os quais foram respondidos através de ligações, mensagens e áudios de whatsapp. Como resultado, nasceu uma série de podcast e um filme nomeado de “Brincar em Casa”.

Podcast Brincar em Casa – Episódio O Quarto

Alinhado com a temática, o episódio do podcast sobre o QUARTO faz a seguinte reflexão: “sabemos que muitas crianças não têm um quarto só seu, mas se recolher em solidão e estar dentro de si é algo buscado por todas?”. Ao longo da discursão, a resposta surge: SIM. A necessidade de momentos de solidão existe, seja no banho, debaixo de um a mesa, numa cabaninha ou até dentro de um armário.

Por fim, o que essas três obras (livro, projeto fotográfico e podcast) tem a nos comunicar? Penso que o espaço que habitamos, já nos primeiros anos de vida, é um convite à auto investigação do ser. Inspirados na potente imaginação infantil, podemos fazer um exercício lúdico de interpretar a porta de uma casa como um verdadeiro guarda-roupa das Crônicas de Nárnia, um universo único, muito particular de cada morador. Desta forma, afirmo que arquitetura, quando alinhada com as necessidades e a identidade do indivíduo, é uma poderosa ferramenta de autoconhecimento.

Referências Bibliográficas

MOLLISON, James. Onde as crianças dormem, 2010. Disponível em: https://issuu.com/chrisboot/docs/where_children_sleep_by_james_mollison

TERRITÓRIO DO BRINCAR. Podcast “Brincar em casa” – Episódio: A Pesquisa, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NPWctF34s5A

TERRITÓRIO DO BRINCAR. Podcast “Brincar em casa” – Episódio: Quarto, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=khqq9ES1Eto

ZABALBEASCOA, Anatxu. Tudo sobre a Casa. Editora Gustavo Gili, 2014. 

Alana Aragão
Arquiteta e Urbanista
Alana Aragão acredita no potencial da arte e da educação como ferramentas transformadoras. É graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UNIFOR e é mestranda em planejamento urbano na UFC. Atua como gerente de projeto social no Instituto da Infância.
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Alana Aragão

Alana Aragão acredita no potencial da arte e da educação como ferramentas transformadoras. É graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UNIFOR e é mestranda em planejamento urbano na UFC. Atua como gerente de projeto social no Instituto da Infância.

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