A Arquitetura do “WOW”: aprendendo a sentir a Arquitetura como uma criança.

Durante meus anos de formação acadêmica li e reli diversos livros, desde “Atmosferas” de Peter Zumthor até a “Arquitetura da Cidade” de Aldo Rossi, e sem dúvidas um ponto fundamental conecta todos esses escritores: a busca pelo entendimento do espaço.

Tema fundamental em todo e qualquer projeto, o espaço tem uma característica que foge muitas vezes da nossa própria compreensão pessoal. Se perguntarmos a dois arquitetos o que é o “espaço”, dificilmente terão a mesma resposta. Não é como se perguntássemos o que é uma parede, ou uma janela, ou mesmo uma porta, coisas fáceis de descrever. O espaço é algo complexo formado por coisas simples, algo que o torna uma linda contradição e nos abre oportunidades de interpretação.

Então como traduzir o espaço físico e o sentimento subjetivo que ele nos cria?

A resposta mais objetiva e, contraditoriamente, a mais ampla me veio aos ouvidos em uma viagem que realizei a Portugal em 2019, e a lembro com uma riqueza de detalhes pois foi algo marcante em minha vida pessoal e profissional, além de ter sido um dos momentos mais divertidos dessa viagem.

Acabava de chegar ao Aeroporto de Lisboa, após uma longa viagem de 9 horas de duração, e logo que encontrei o saguão me deparei com aquele hall de entrada colossal. Eu não sabia ao certo como descrever aquilo, mas -naqueles dias frios de inverno- aquela luz natural que entrava e o aquecia parecia mágica, bem como e sua altura faraônica também.

As pessoas que passavam de um lado ao outro com tanta pressa não se davam conta do quão rico aquele espaço era, pelo menos não os adultos. Após perder vários minutos me aquecendo com aquele sol escutei vários gritos de crianças, eram quatro jovens que apontavam para cima falando em um idioma cujo qual eu não entendia absolutamente nada, mas aquilo não importava no momento.

A mãe das crianças, já com uma expressão cansada, brigava com os quatro que não descansavam um segundo. Pareciam aproveitar cada raio de sol que passava por aquela vidraça. Era essa agitação que gerava vida naquele espaço já tão banalizado por todos aqueles adultos apressados e cheios de bagagem, celulares e tablets.

Passado esse momento curioso resolvi comprar algo de comer e buscar um local alto para observar a vista de modo tranquilo. Por sorte, achei um canto muito quieto no último andar do aeroporto, no qual me sentei e desembrulhei meu sanduíche.

Era deslumbrante, aquele silêncio absoluto e o sol que entrava. Finalmente um pouco de paz, após tantas horas de voo. Terminei de comer e peguei meu caderno e minha lapiseira, queria traduzir aquele espaço no papel. Passei bons minutos desenhando e escrevendo tudo aquilo e montando algo tecnicamente impecável sobre aquele local.

Pouco antes de terminar o meu desenho e o texto escutei gritos cada vez mais próximos, eram as quatro crianças, e a mãe que parecia ainda mais cansada para a minha surpresa. Não tenho dúvidas que ela havia chegado até ali obrigada pelos filhos curiosos. Naquele momento as crianças se inclinaram ao meu lado apontando para diversos detalhes da linda coberta e para a vidraça a frente e falaram gritando algo que finalmente pude entender, algo universal em qualquer idioma: “WOW!”.

Para mim aquele “WOW” traduziu melhor aquele espaço que qualquer texto ou desenho feito por mim. Havia sido superado por quatro crianças de 8-10 anos talvez, mesmo após anos de estudo profissionalizante e prática profissional. Foi um sentimento incrível e assustador, mas ao mesmo tempo muito divertido.

Nem Peter Zumthor, nem Aldo Rossi, nem qualquer pessoa teria sido mais sintética na tentativa de traduzir um espaço tão lindo e magnífico, com apenas três letras. Nesse dia aprendi uma lição valiosa, e que hoje levo na minha profissão: devemos ver a arquitetura como crianças, curiosas e sensíveis, e não tanto como burocratas técnicos, pois nesse processo há a possibilidade de perdemos uma das coisas mais essenciais em uma profissão criativa: o ato de sentir e ressignificar o espaço.

Como Citar essa Matéria
XAVIER, Mateus. A Arquitetura do “WOW”: aprendendo a sentir a Arquitetura como uma criança. Projeto Batente, Fortaleza - CE, 17 de março de 2021. Arquitetura. Disponível em: <https://projetobatente.com.br/a-arquitetura-do-wow/>. Acesso em: [-dia, mês e ano.-]
Mateus Xavier
Arquiteto e Urbanista
Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade de Fortaleza, e com passagem também pela Universidad de Monterrey, no México. Atualmente chefe de projeto no escritório mexicano Urban Studio (@urbanstudio.mx) na cidade de Monterrey, apesar de atuar em projetos autorais também no Brasil em parceria com diversos colegas.
Mateus Xavier on Instagram

Mateus Xavier

Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade de Fortaleza, e com passagem também pela Universidad de Monterrey, no México. Atualmente chefe de projeto no escritório mexicano Urban Studio (@urbanstudio.mx) na cidade de Monterrey, apesar de atuar em projetos autorais também no Brasil em parceria com diversos colegas.

4 thoughts on “A Arquitetura do “WOW”: aprendendo a sentir a Arquitetura como uma criança.

  • 14/08/2021 em 5:56 am
    Permalink

    Quanta sensibilidade!
    Verdade, precisamos enxergar com olhos de criança muita coisa ao nosso redor, uma delas é o espaço, a arquitetura!

    Resposta
  • 15/08/2021 em 10:07 am
    Permalink

    Que texto significativo. Para uma pedagoga como eu, ele traduz muito o que pensamos. A criança é muito capaz, admiŕa o belo e vibra com intensidade. Em nossos estudos , fazemos uma distinçao entre wspaço e ambiente, o termo espaço refere-se às questões físicas, aos locais para atividades caracterizados pelos objetos, materiais didáticos, mobília, decoração, entre outros, ao passo que o ambiente refere-se ao conjunto do espaço e às relações que se estabelecem nele.

    Resposta
    • 25/06/2022 em 6:35 pm
      Permalink

      Há tantos anos vivendo e projetando espaços, nunca tinha visto nem mesmo escrito algo tao bem definido, como o Mateus poeticamente definiu o “ver a arquitetura e os espaços que ela
      envolve “…precisamos de olhos de encantamento como as crianças têm , para ver os espaços que habitamos e sermos felizes dentro deles, nem que por minutos nos extasiarmos com um OWO !!!
      Belíssimo artigo, cheio de sentimento!!

      Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *